São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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RIO

Sob o comando de Fernandinho Beira-Mar, facção sente a ausência de líderes soltos e a redução no fluxo de drogas para o Estado

Rearticulação do CV gera onda de violência


FERNANDA DA ESCÓSSIA
MARIO HUGO MONKEN

DA SUCURSAL DO RIO

A onda de violência no Rio é resultado da rearticulação da facção criminosa CV (Comando Vermelho) sob o comando de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, que tenta agora resolver dois problemas logísticos na organização: a ausência de líderes soltos e a redução no fluxo de drogas para o Estado.
Preso em 2001 na Colômbia, Beira-Mar, 34, ficou um ano em Brasília e foi transferido para o Rio em 26 de abril deste ano, sendo levado para o presídio Bangu 1 (zona oeste). Ele começou a refazer seus contatos no Rio. A chefe de investigações da DRE (Divisão de Repressão a Entorpecentes), Marina Maggessi, disse que o primeiro passo de Beira-Mar foi rearmar as favelas do CV, cujos líderes agora lhe devem dinheiro.
"Beira-Mar ressuscitou o CV. Ele praticamente está carregando a facção nas costas", afirmou.
Beira-Mar quer soltar os chefes presos, como Isaías Costa Rodrigues, 39, o Isaías do Borel, e Adair Marlon Duarte, o Aldair da Mangueira, para melhorar a organização empresarial do CV nas ruas.
Hoje os líderes soltos atuam mais em ações "operacionais". Muito jovens, estão interessados em organizar "bondes" para invadir redutos rivais, mas não sabem tocar os negócios do tráfico.
"O CV está acéfalo nas ruas", disse o delegado Fernando Morais, coordenador das delegacias especializadas do Rio.
Para o subdiretor da DRE da PF (Polícia Federal), Ronaldo Urbano, há também uma insatisfação do tráfico com a redução no fluxo de entrada de drogas. Segundo ele, a PF apreendeu neste ano 140 toneladas de maconha e sete de cocaína, quase igualando as 146 toneladas de maconha e próximo da marca de 8,4 toneladas de cocaína apreendidas em 2001. Da maconha apreendida, cerca de 60% seguiria para o Rio.
"Eles estão tendo de desdobrar [fazer render, misturando com outras substâncias" mais ainda a droga. Não vou dizer, porém, que houve desabastecimento. Há uma redução, não um estancamento do fluxo", afirmou Maggessi.
Morais disse que, antes de ser preso, Beira-Mar fornecia 70% da droga para as favelas do Rio. Depois que foi para a cadeia, o percentual caiu para 40%.

Colômbia

Há quem veja, nas táticas de Beira-Mar, influência de sua passagem pela Colômbia, quando fornecia armas aos guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em troca de drogas, e da facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital).
Urbano aponta semelhanças entre táticas usadas na Colômbia e ações realizadas por traficantes do Rio, especialmente ataques a prédios públicos e ameaças a autoridades. "Eu já encaro esses atos do Rio como atos de terrorismo. Pelo que eu conheço, é muito semelhante [à Colômbia". Não posso dizer que eles empregam esses métodos em razão de terem aprendido por lá, mas, em termos de ação, há uma semelhança", afirmou Urbano.
Para Fernando Morais, Beira-Mar quer imitar os guerrilheiros colombianos. "Ele andava com o Negro Acácio [um dos principais líderes da organização colombiana". É um elo importante entre as Farc e criminosos brasileiros."
Morais disse que os atentados da madrugada de quarta-feira são uma prova do progresso do crime organizado. "Os líderes antigos do CV não faziam essas mobilizações porque, entre eles, não havia ninguém envolvido com o tráfico internacional", afirmou.

Armas

A hipótese da influência colombiana sobre os métodos do CV não é unanimidade na polícia. Para Maggessi, Beira-Mar "nunca foi nada" na guerrilha e apenas fornecia armas aos guerrilheiros em troca de drogas.
O corregedor de Polícia Unificada, Aldney Peixoto, disse que a mudança das ações do tráfico se deve principalmente ao aumento da corrupção. "Eles têm mais dinheiro e muita gente boa por trás deles", disse.
Peixoto considera que a fragilidade do sistema de segurança tem contribuído para aumentar a ousadia do tráfico. "Em vez de a polícia perseguir os traficantes, deveria acabar com o tráfico. Os traficantes se sucedem", declarou.

Governo
A coordenadora de Segurança do Rio, Jacqueline Muniz, disse que o tráfico mudou seu modo de atuação porque está asfixiado com a ação policial, tanto nas ruas como dentro dos presídios.
"Eles estão partindo para ações simbólicas e políticas. Nada mais resta a eles a não ser ameaças difusas", afirmou Muniz.
Para o subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública, coronel Antônio Freire, os traficantes estão utilizando os atentados como "moeda de troca" com a polícia.
"Eles estão tentando criar um clima de terrorismo para conseguir benefícios e diminuir a repressão. Antigamente, havia uma certa tolerância com o tráfico, hoje, não. Estamos revidando. Uma prova disso é o isolamento dos traficantes nos presídios", disse.


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