São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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WALTER CENEVIVA

O médico-operário


O médico é hoje um trabalhador, de crachá e roupa branca (ou azul), mas abandonou a atuação liberal

ANTEONTEM FOI O DIA DO MÉDICO. 18 de outubro é, oficialmente dia de homenagear a pessoas licenciadas (ou autorizadas) por lei a cuidarem, em visão ampla, da saúde física e psíquica das pessoas. Até a metade do século passado, era relativamente fácil distinguir os médicos em clínicos e em cirurgiões. Tratava-se de um médico (gênero masculino), profissional liberal ("seu" médico), distinto em seu grupo social, amigo das famílias às quais atendia. Predominavam sobrenomes tradicionais.
É pouco o que sobrou. O médico continua a ser o praticante da medicina. Que medicina? Que praticante? Na advocacia, na engenharia e arquitetura, a transformação também foi imensa. Muitas outras profissões foram criadas, mas seus praticantes já vieram enquadrados nas novas perspectivas de seu exercício.
O mercado de trabalho absorve parte dos novos advogados, médicos, engenheiros e arquitetos, mas em nada a atividade deles se assemelha ao antigo perfil liberal.
Miguel Srougi situou nesta Folha a medicina atual, causas e efeitos da transformação, dizendo bem das generalizações inaceitáveis. Excluo uma: o médico é hoje um trabalhador, de crachá e roupa branca (ou azul), mas abandonou a atuação liberal. Integra uma categoria, com mais de um sindicato, em predominante relação de emprego ou reunido com colegas em pessoas jurídicas e cooperativas. Vive a coletivização do exercício e a coletivização da clientela, marcadas pela não individualidade.
A lei permitiu a abertura de escolas, sem requisitos técnicos, sem resguardar a qualidade, sem oferecer ao médico garantia específica, para sua profissão de meio, salvo para o profissional liberal, que atua por conta própria, em seu consultório, sem subordinar-se ao comando de terceiros. A distinção está no Código do Consumidor (artigo 14). Para reclamar a responsabilidade pessoal do profissional liberal, cabe ao cliente prova de que o médico foi culpado pelo dano.
Os não liberais respondem pelo dano independentemente da prova da culpa. Havendo relação de emprego, a responsabilidade pela indenização do cliente é do empregador, seja ele hospital, instituição pública ou privada pelo que se chama de responsabilidade objetiva.
Nem tudo são sombras. A medicina estendeu sua atuação. O atendimento previdenciário aumentou. Os que dispõem de meios ligam-se a planos de saúde, embora cada vez mais onerosos, tendo no Judiciário o caminho para impedir os abusos. O lado ruim está na abertura indiscriminada de faculdades de medicina, sem instalações para a prática médica, rompido o regime de residência, ao qual chega apenas metade dos formandos, gerando séria ameaça à saúde.
A lei contribuirá para a melhora do quadro se impuser exames de proficiência, para exigir a qualificação profissional pós-formatura, conforme se tem visto nos Exames de Ordem, impostos mais severamente pela OAB. Uma forma de limitação dos abusos da indústria do ensino está nos conselhos profissionais. O CREMESP caminha para essa qualificação, embora sem imposição por lei. Esta deverá apontar no sentido da qualificação. Se a advocacia, a engenharia e a arquitetura são reguladas e regulamentadas por normas legais, não há razão para não dispensar à medicina igual tratamento.


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