São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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Manual ensina escolas a combater pai inadimplente

Livro do Grupo Positivo mostra como deve ser feita a cobrança e classifica pais por apelidos

Grupo tem 2.400 escolas conveniadas; autor nega que obra estigmatize negativamente os pais, pois foca só inadimplentes

ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Irado, enfermo, afortunado, acanhado, perito, manhoso ou dorminhoco. São esses os perfis dos responsáveis pelo aluno inadimplente de acordo com livro editado pelo grupo Positivo para as suas cerca de 2.400 escolas conveniadas.
"Kit Inadimplência Escolar -um roteiro simples para combater os não-pagadores!" foi escrito por Álvaro Luiz Baú, assessor da área financeira da editora Positivo, uma das sete empresas do grupo, que abrange desde a produção de computadores até escolas próprias. Na Receita Federal, a editora do grupo tem certidão de débito "positiva com efeito de negativa" -ou seja, foi multada por tributos devidos e recorre na Justiça (o Positivo diz ser é um procedimento "corriqueiro").
A obra, em linguagem coloquial, orienta como deve ser feita a cobrança -de carta até a inscrição do devedor no Serasa. Começa com uma analogia da inadimplência escolar com o conto da Branca de Neve, mostrando a "história dos sete responsáveis pelos alunos", que "foram criados numa casinha no meio da floresta".
O livro diz que eles foram "viver na cidade" e se depararam com problemas como "crise econômica, desemprego, juros altos, falta de crédito, ausência de planejamento pessoal, consumismo, alto custo de vida".
Com isso, explica Baú, "vocês podem imaginar o que aconteceu...", indicando que a conta da escola seria a mais fácil de não ser paga em dia, já que, "em benefício de uma certa lei" [9.870/99], o "serviço" não poderia ser interrompido.
A obra parte da premissa de que cada tipo de inadimplente requer uma negociação diferente. Com o "enfermo", uma "vítima da vida" -"as coisas ruins SEMPRE acontecem com ele"-, deve-se demonstrar solidariedade, mas ser objetivo. "Caso contrário ele pode acabar pedindo dinheiro emprestado a você!"
Já o "perito" ("em enrolar os outros") é aquele que "aparece de carrão novinho em folha, mas não lhe paga" e "sabe que existem leis que favorecem a inadimplência". Com ele, a escola deve ser firme e procurar auxílio jurídico. Esse perfil é um dos mais comuns, conforme o autor, mas raro nas escolas próprias do Positivo, segundo seu diretor, Carlos Dorlass.
Baú negou que a obra crie um estigma negativo dos pais dos alunos. "O livro é focado no inadimplente", diz. "Se fosse focado nos pagadores, haveria uma série de outros perfis."
Especialistas ouvidos pela Folha condenaram o tratamento dado ao tema. Erasto Fortes, da Faculdade de Educação da UnB, diz ter ficado "impressionado" com a linguagem "chula" e com o que acredita estar na origem do livro. "Se a instituição chega a ponto de julgar que os pais não pagam porque não querem, ela revela um vínculo perverso com eles."
"É um absurdo", diz César Minto, da Faculdade de Educação da USP. "Parte-se do ponto que educação é mercadoria. Com honrosas exceções, as instituições não estão preocupadas se o indivíduo está se apropriando de conhecimento, mas com o lucro, e às vezes ainda desrespeitam seus "clientes"."
O Positivo não é o único a identificar os "não-pagadores". Antonio Joaquim da Silva, supervisor de marketing do Anglo, diz que não pode recusar a matrícula de um aluno, mas é possível selecionar os que a escola busca e, ainda, "deixar de criar facilidades", como descontos, para os que ela acha que não terão condição de pagar -o que, diz, é possível reconhecer com uma boa conversa pessoal.
Ele aponta como fator de risco até o fato de o aluno morar longe do colégio, em cidades grandes. "Por que esse cara está vindo de lá para cá? Será que ele já aprontou alguma?"
A advogada do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) Mariana Ferreira Alves aponta que a escola não pode recusar a matrícula de um aluno "porque não foi com a cara do pai dele".
Segundo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, o índice de inadimplência na educação básica é de cerca de 15% ao ano. Nas escolas do Positivo, diz seu diretor, ele é de 2,5%, devido ao acompanhamento caso a caso.


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