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Manual ensina escolas a combater pai inadimplente
Livro do Grupo Positivo mostra como deve ser feita a cobrança e classifica pais por apelidos
Grupo tem 2.400 escolas conveniadas; autor nega que obra estigmatize negativamente os pais, pois foca só inadimplentes
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Irado, enfermo, afortunado,
acanhado, perito, manhoso ou
dorminhoco. São esses os perfis
dos responsáveis pelo aluno
inadimplente de acordo com livro editado pelo grupo Positivo
para as suas cerca de 2.400 escolas conveniadas.
"Kit Inadimplência Escolar
-um roteiro simples para combater os não-pagadores!" foi escrito por Álvaro Luiz Baú, assessor da área financeira da
editora Positivo, uma das sete
empresas do grupo, que abrange desde a produção de computadores até escolas próprias. Na
Receita Federal, a editora do
grupo tem certidão de débito
"positiva com efeito de negativa" -ou seja, foi multada por
tributos devidos e recorre na
Justiça (o Positivo diz ser é um
procedimento "corriqueiro").
A obra, em linguagem coloquial, orienta como deve ser
feita a cobrança -de carta até a
inscrição do devedor no Serasa.
Começa com uma analogia da
inadimplência escolar com o
conto da Branca de Neve, mostrando a "história dos sete responsáveis pelos alunos", que
"foram criados numa casinha
no meio da floresta".
O livro diz que eles foram "viver na cidade" e se depararam
com problemas como "crise
econômica, desemprego, juros
altos, falta de crédito, ausência
de planejamento pessoal, consumismo, alto custo de vida".
Com isso, explica Baú, "vocês
podem imaginar o que aconteceu...", indicando que a conta
da escola seria a mais fácil de
não ser paga em dia, já que, "em
benefício de uma certa lei"
[9.870/99], o "serviço" não poderia ser interrompido.
A obra parte da premissa de
que cada tipo de inadimplente
requer uma negociação diferente. Com o "enfermo", uma
"vítima da vida" -"as coisas
ruins SEMPRE acontecem
com ele"-, deve-se demonstrar solidariedade, mas ser objetivo. "Caso contrário ele pode
acabar pedindo dinheiro emprestado a você!"
Já o "perito" ("em enrolar os
outros") é aquele que "aparece
de carrão novinho em folha,
mas não lhe paga" e "sabe que
existem leis que favorecem a
inadimplência". Com ele, a escola deve ser firme e procurar
auxílio jurídico. Esse perfil é
um dos mais comuns, conforme o autor, mas raro nas escolas próprias do Positivo, segundo seu diretor, Carlos Dorlass.
Baú negou que a obra crie um
estigma negativo dos pais dos
alunos. "O livro é focado no inadimplente", diz. "Se fosse focado nos pagadores, haveria uma
série de outros perfis."
Especialistas ouvidos pela
Folha condenaram o tratamento dado ao tema. Erasto
Fortes, da Faculdade de Educação da UnB, diz ter ficado "impressionado" com a linguagem
"chula" e com o que acredita estar na origem do livro. "Se a instituição chega a ponto de julgar
que os pais não pagam porque
não querem, ela revela um vínculo perverso com eles."
"É um absurdo", diz César
Minto, da Faculdade de Educação da USP. "Parte-se do ponto
que educação é mercadoria.
Com honrosas exceções, as instituições não estão preocupadas se o indivíduo está se apropriando de conhecimento, mas
com o lucro, e às vezes ainda
desrespeitam seus "clientes"."
O Positivo não é o único a
identificar os "não-pagadores".
Antonio Joaquim da Silva, supervisor de marketing do Anglo, diz que não pode recusar a
matrícula de um aluno, mas é
possível selecionar os que a escola busca e, ainda, "deixar de
criar facilidades", como descontos, para os que ela acha que
não terão condição de pagar -o
que, diz, é possível reconhecer
com uma boa conversa pessoal.
Ele aponta como fator de risco até o fato de o aluno morar
longe do colégio, em cidades
grandes. "Por que esse cara está
vindo de lá para cá? Será que ele
já aprontou alguma?"
A advogada do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor)
Mariana Ferreira Alves aponta
que a escola não pode recusar a
matrícula de um aluno "porque
não foi com a cara do pai dele".
Segundo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de
Ensino, o índice de inadimplência na educação básica é de
cerca de 15% ao ano. Nas escolas do Positivo, diz seu diretor,
ele é de 2,5%, devido ao acompanhamento caso a caso.
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