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LETRAS JURÍDICAS
O Direito discorda de Genoino
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A migos e não-amigos têm
reconhecido em José Genoino o parlamentar-exemplo.
Assim foi durante toda a vida do
PT-oposição. Defendeu, porém, a
punição de companheiros seus
em artigo escrito na terceira página desta Folha para fazer interpretação incompatível com o espírito da lei, ainda quando adaptável à letra do estatuto
partidário.
O artigo 17 da Constituição, relativo aos partidos políticos, resguarda a liberdade organizativa
destes sem prejuízo dos direitos
fundamentais da pessoa humana. Extraio daí uma primeira
conclusão: o partido deve priorizar a livre manifestação das opiniões de seus seguidores, dando-lhe valor pleno quando se trate de
emendas à Carta Magna, nas
quais a preservação do voto, calcado exclusivamente na consciência individual, é garantia indispensável contra a ditadura.
A autonomia da agremiação
política, entre outras capacidades, permite que os estatutos ordenem "normas de fidelidade e
disciplina partidária". A exegese
da regra disciplinar é relativamente fácil, mas não a que defina
os modos de ser fiel, bem mais
complexa. Nela se fixa a discordância com Genoino ao interpretar limites da fidelidade. Todos os
partidos têm estatutos registrados, cujas regras, aplicadas ao
longo da história, definem a interpretação interna em face dos
fatos políticos enfrentados. Mais
do que qualquer outro partido, o
PT deu no passado sua interpretação da Constituição e da lei pelos ideais que afirmou quando na
oposição.
A senadora Heloísa Helena, figura emblemática do debate hoje
travado, foi expulsa por causa da
convicção dela, de que suas idéias
representam a verdade interna
do PT clássico -aquele da exigência de moralidade nas condutas, do respeito ao espírito norteador de suas posições sem concessão. A senadora, por isso, foi sempre particularmente detestada
por desafetos. Hoje, é amada pelos discordantes de Genoino pela
mesma razão.
Genoino não preservou a lógica
interna de seu comentário ao negar que tenha havido cerceamento da liberdade de opinar e que os
parlamentares tenham sido punidos nesta semana por discordarem da direção. A certa altura,
afirma que "esses parlamentares
sempre foram minoria dissonante em relação à tradição histórica
do PT". Talvez, mas só agora foram expulsos.
Fidelidade, além do aspecto jurídico, tem manifesta conotação
ética. É íntima do sustentar idéias
e assumir posições. A disciplina
que desconsidere objetivos marcantes do partido, deixando predominar a vontade dos dirigentes, será um mal quando, em matéria constitucional, se ajuste aos
mutáveis interesses imediatos da
direção. O meio-termo está em
assegurar a unidade possível ao
redor da maioria, sem fazer do senador ou do deputado um papagaio repetidor das vozes da liderança. Espera-se de cada um que
não seja nem guerrilheiro nem
boneco.
A substância das idéias não se
mede em episódios isolados, mas
no conjunto das atitudes que a
afirmaram. José Genoino, no artigo referido, incide na falha de defender a fidelidade formal, menos
interessado em discuti-la no ideário do partido. Foge da fidelidade
histórica sublimada por Heloísa e
que ele mesmo representou durante muito tempo. Não se pode
esquecer que o eleito tem, quando
triunfe por seus próprios votos, a
credencial máxima do sufrágio
popular, conquistado pelo respeito a idéias que a lei da disciplina
partidária não deve afastar em
temas constitucionais.
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