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São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

O Direito discorda de Genoino

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A migos e não-amigos têm reconhecido em José Genoino o parlamentar-exemplo. Assim foi durante toda a vida do PT-oposição. Defendeu, porém, a punição de companheiros seus em artigo escrito na terceira página desta Folha para fazer interpretação incompatível com o espírito da lei, ainda quando adaptável à letra do estatuto partidário.
O artigo 17 da Constituição, relativo aos partidos políticos, resguarda a liberdade organizativa destes sem prejuízo dos direitos fundamentais da pessoa humana. Extraio daí uma primeira conclusão: o partido deve priorizar a livre manifestação das opiniões de seus seguidores, dando-lhe valor pleno quando se trate de emendas à Carta Magna, nas quais a preservação do voto, calcado exclusivamente na consciência individual, é garantia indispensável contra a ditadura.
A autonomia da agremiação política, entre outras capacidades, permite que os estatutos ordenem "normas de fidelidade e disciplina partidária". A exegese da regra disciplinar é relativamente fácil, mas não a que defina os modos de ser fiel, bem mais complexa. Nela se fixa a discordância com Genoino ao interpretar limites da fidelidade. Todos os partidos têm estatutos registrados, cujas regras, aplicadas ao longo da história, definem a interpretação interna em face dos fatos políticos enfrentados. Mais do que qualquer outro partido, o PT deu no passado sua interpretação da Constituição e da lei pelos ideais que afirmou quando na oposição.
A senadora Heloísa Helena, figura emblemática do debate hoje travado, foi expulsa por causa da convicção dela, de que suas idéias representam a verdade interna do PT clássico -aquele da exigência de moralidade nas condutas, do respeito ao espírito norteador de suas posições sem concessão. A senadora, por isso, foi sempre particularmente detestada por desafetos. Hoje, é amada pelos discordantes de Genoino pela mesma razão.
Genoino não preservou a lógica interna de seu comentário ao negar que tenha havido cerceamento da liberdade de opinar e que os parlamentares tenham sido punidos nesta semana por discordarem da direção. A certa altura, afirma que "esses parlamentares sempre foram minoria dissonante em relação à tradição histórica do PT". Talvez, mas só agora foram expulsos.
Fidelidade, além do aspecto jurídico, tem manifesta conotação ética. É íntima do sustentar idéias e assumir posições. A disciplina que desconsidere objetivos marcantes do partido, deixando predominar a vontade dos dirigentes, será um mal quando, em matéria constitucional, se ajuste aos mutáveis interesses imediatos da direção. O meio-termo está em assegurar a unidade possível ao redor da maioria, sem fazer do senador ou do deputado um papagaio repetidor das vozes da liderança. Espera-se de cada um que não seja nem guerrilheiro nem boneco.
A substância das idéias não se mede em episódios isolados, mas no conjunto das atitudes que a afirmaram. José Genoino, no artigo referido, incide na falha de defender a fidelidade formal, menos interessado em discuti-la no ideário do partido. Foge da fidelidade histórica sublimada por Heloísa e que ele mesmo representou durante muito tempo. Não se pode esquecer que o eleito tem, quando triunfe por seus próprios votos, a credencial máxima do sufrágio popular, conquistado pelo respeito a idéias que a lei da disciplina partidária não deve afastar em temas constitucionais.


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