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Curso tira jovens dos morros do tráfico
Escola na zona norte do Rio de Janeiro forma adolescentes na área de eletromecânica, pintura e lanternagem de carros
Dos 102 alunos formados neste ano, todos saíram empregados; nos últimos dez anos, 850 trabalhadores já passaram pelo projeto
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Um curso técnico de 11 meses
de duração tem conseguido resultados surpreendentes na
qualificação profissional de jovens de 15 a 24 anos, moradores
de favelas e bairros pobres da
região metropolitana do Rio:
100% dos alunos da última edição saíram empregados.
Bancado pela iniciativa privada, o curso ensina os alunos a
trabalhar com o setor eletromecânico, pintura e lanternagem de carros. Todos os 102
formandos neste ano conseguiram emprego.
A divulgação precária tem
mantido o curso, inaugurado
em 1996 exclusivamente para a
área eletromecânica, sob uma
espécie de sigilo. Mesmo assim,
no início deste ano, apareceram 450 jovens para matrícula.
Por causa da procura, a coordenação da escola Recofia, no
Caju (zona norte), resolveu
abrir o leque das opções. As aulas de pintura e lanternagem
começaram neste ano.
A certeza do trabalho após o
diploma e a possibilidade de
aprender algo prático têm levado os jovens a procurar o curso.
"A escola de eletromecânica
surgiu de um sonho. O dono de
uma concessionária da Fiat no
Rio construiu a escola para dar
oportunidade a jovens carentes. Na época, tinham sido lançados os carros com injeção
eletrônica. Era preciso formar
mão-de-obra qualificada", diz o
coordenador Jaime José Gomes Moreira, 62.
Passados dez anos, 850 jovens se formaram na escola.
Desde o primeiro ano, o compromisso era o de empregar os
recém-formados nas concessionárias de veículos. Isso se
mantém até hoje. O jovem ingressa nas oficinas como estagiário, ganhando um salário
mínimo, vale-transporte e refeição. Depois, são contratados.
Moreira revela que nesse período perdeu a conta dos jovens
que o aprendizado -há ainda
aulas de ética, cidadania, português e matemática, entre outras- tirou da criminalidade.
"Temos "n" exemplos de garotos que eram ou acabariam envolvidos com o tráfico. Repito o
que já ouvi de dezenas de pais:
isso aqui foi a salvação deles."
Diego de Almeida Guerra, 19,
concorda com o ex-professor.
Empregado em uma concessionária na Barra da Tijuca (zona
oeste), formado em pintura automotiva, Guerra conta que
chegou a trabalhar como eletricista, como o pai, mas não conseguiu um bom emprego.
"Tenho colegas que estão na
vida do crime. Acham que esse
mundo não tem nada a oferecer
para a gente, que é pobre", diz.
Tráfico
Colega de Guerra, Deiselane
da Silva Cruz, 17, vendia balas
no centro até o ano passado. Ela
começou nas ruas aos oito anos
e lembra que teve amigos que
aderiram ao tráfico e foram
mortos. A jovem conta que chegou a pensar em acompanhá-los, mas desistiu. "Eu pensei: o
que adianta ir e amanhã quebrar a cara."
Alguns anos mais velho, Anderson Miranda Barboza, 25,
trabalhou como soldado da Aeronáutica por quatro anos. Ao
ser dispensado, procurou cursos que o preparassem para o
mercado, mas não conseguiu.
Morador de uma das favelas
do complexo do Alemão (zona
norte), Barboza comenta, com
certa vergonha, que chegou a
ser chamado pelos traficantes.
"Eles queriam alguém que entendesse de armas. Lembrei de
amigos que morreram por causa disso. Saí fora", afirmou.
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