São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007

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Curso tira jovens dos morros do tráfico

Escola na zona norte do Rio de Janeiro forma adolescentes na área de eletromecânica, pintura e lanternagem de carros

Dos 102 alunos formados neste ano, todos saíram empregados; nos últimos dez anos, 850 trabalhadores já passaram pelo projeto


SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Um curso técnico de 11 meses de duração tem conseguido resultados surpreendentes na qualificação profissional de jovens de 15 a 24 anos, moradores de favelas e bairros pobres da região metropolitana do Rio: 100% dos alunos da última edição saíram empregados.
Bancado pela iniciativa privada, o curso ensina os alunos a trabalhar com o setor eletromecânico, pintura e lanternagem de carros. Todos os 102 formandos neste ano conseguiram emprego.
A divulgação precária tem mantido o curso, inaugurado em 1996 exclusivamente para a área eletromecânica, sob uma espécie de sigilo. Mesmo assim, no início deste ano, apareceram 450 jovens para matrícula.
Por causa da procura, a coordenação da escola Recofia, no Caju (zona norte), resolveu abrir o leque das opções. As aulas de pintura e lanternagem começaram neste ano.
A certeza do trabalho após o diploma e a possibilidade de aprender algo prático têm levado os jovens a procurar o curso.
"A escola de eletromecânica surgiu de um sonho. O dono de uma concessionária da Fiat no Rio construiu a escola para dar oportunidade a jovens carentes. Na época, tinham sido lançados os carros com injeção eletrônica. Era preciso formar mão-de-obra qualificada", diz o coordenador Jaime José Gomes Moreira, 62.
Passados dez anos, 850 jovens se formaram na escola. Desde o primeiro ano, o compromisso era o de empregar os recém-formados nas concessionárias de veículos. Isso se mantém até hoje. O jovem ingressa nas oficinas como estagiário, ganhando um salário mínimo, vale-transporte e refeição. Depois, são contratados.
Moreira revela que nesse período perdeu a conta dos jovens que o aprendizado -há ainda aulas de ética, cidadania, português e matemática, entre outras- tirou da criminalidade.
"Temos "n" exemplos de garotos que eram ou acabariam envolvidos com o tráfico. Repito o que já ouvi de dezenas de pais: isso aqui foi a salvação deles."
Diego de Almeida Guerra, 19, concorda com o ex-professor. Empregado em uma concessionária na Barra da Tijuca (zona oeste), formado em pintura automotiva, Guerra conta que chegou a trabalhar como eletricista, como o pai, mas não conseguiu um bom emprego.
"Tenho colegas que estão na vida do crime. Acham que esse mundo não tem nada a oferecer para a gente, que é pobre", diz.

Tráfico
Colega de Guerra, Deiselane da Silva Cruz, 17, vendia balas no centro até o ano passado. Ela começou nas ruas aos oito anos e lembra que teve amigos que aderiram ao tráfico e foram mortos. A jovem conta que chegou a pensar em acompanhá-los, mas desistiu. "Eu pensei: o que adianta ir e amanhã quebrar a cara."
Alguns anos mais velho, Anderson Miranda Barboza, 25, trabalhou como soldado da Aeronáutica por quatro anos. Ao ser dispensado, procurou cursos que o preparassem para o mercado, mas não conseguiu.
Morador de uma das favelas do complexo do Alemão (zona norte), Barboza comenta, com certa vergonha, que chegou a ser chamado pelos traficantes. "Eles queriam alguém que entendesse de armas. Lembrei de amigos que morreram por causa disso. Saí fora", afirmou.


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