São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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GUERRA URBANA

Órgão recolheu 272 cadáveres no período em que governo contabiliza 138 mortes

Há duas hipóteses para a diferença de números: ou a violência sem relação com o PCC aumentou no período ou a polícia tem matado mais

Lista do IML aponta "sobra" de mortos na Grande SP

FABIANE LEITE
CLÁUDIA COLLUCCI
MARIO CESAR CARVALHO

DA REPORTAGEM LOCAL

Há muito mais mortos que deram entrada no IML no período do levante do PCC do que nos números divulgados pelo governo de São Paulo sobre o confronto. As 12 unidades do IML na capital e Grande São Paulo, região em que se concentraram os confrontos, receberam 272 corpos de vítimas de armas de fogo entre a noite de sexta-feira, quando começaram os ataques, e fim da tarde da última quarta-feira, segundo dados obtidos pela Folha.
Nesses cinco dias, os mais sangrentos dos embates do PCC com a polícia, a Secretaria da Segurança Pública divulgou que havia 138 mortos no Estado -a soma inclui suspeitos de ligação com PCC mortos em supostos confrontos com a polícia, civis e integrantes das forças de segurança assassinados por membros da organização. Na última sexta-feira, o número oficial era de 169 mortos.
Se não tivesse existido o levante do PCC, a Grande São Paulo teria registrado 65 homicídios nesses cinco dias, segundo tendência contabilizada pela Secretaria de Segurança no primeiro trimestre deste ano.
Somando as 65 mortes da rotina mais as 138 vítimas dos confrontos reconhecidas pelo governo chega-se ao total de 203. Como o IML recebeu 272 vítimas, há 69 mortes a serem esclarecidas pelo governo.
A Secretaria da Segurança não comentou os dados do IML e disse que é precipitado tirar conclusões. O IML é vinculado à secretaria e seus dados são disponibilizados para a pasta.
Há duas hipóteses para a diferença de números: ou a violência sem relação alguma com o PCC aumentou nesse período ou a polícia tem matado mais do que o governo diz. Na última quarta-feira, o comandante-geral da PM, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, disse que a criminalidade rotineira, sem ligação com o PCC, havia caído cerca de 50% desde que começou a onda de atentados.
Na guerra iraquiana, morreram 36 civis por dia no período mais letal do confronto, de acordo com o site Iraq Body Count. Em São Paulo, a média de vítimas é de 54 por dia.
Os nomes das vítimas nos supostos confrontos com a polícia ainda não foram divulgados e todos os órgãos envolvidos com as mortes, inclusive hospitais, não podem divulgar informações. A PM alega que a divulgação dos nomes das vítimas atrapalharia a investigação. O PFL controla a prefeitura e o governo de São Paulo.
Médicos legistas, cirurgiões e enfermeiros ouvidos pela Folha na última semana contam que viveram num cotidiano transfigurado em guerra. O número de vítimas no IML era tão acima da média que havia corpos fora das geladeiras ou acomodados em dupla num espaço onde caberia um só.
O estado que esses corpos chegavam aos hospitais "é chocante", segundo definiu um atendente de enfermagem que pediu para não ter o nome divulgado. Três médicos dos hospitais que atenderam baleados na última semana relatam a mesma situação: na maioria dos casos, as pessoas já chegaram mortas e com tiros concentrados no abdome e na cabeça. Nos corpos, havia sinais de chamuscamento, o que sugere tiros a queima-roupa. Não há registro de policiais feridos nos supostos confrontos.
Na madrugada de segunda-feira, um médico que estava de plantão em hospital da zona sul conta que se recusou a receber quatro corpos que já chegaram frios no local porque a morte ocorrera havia horas.
"É muita cara de pau", disse o médico, referindo-se à atitude dos policiais de querer registrar a entrada no hospital de pessoas já mortas. Mortos devem ser encaminhados diretamente ao IML. Em dois hospitais da zona oeste, porém, a Folha apurou que pelo menos cinco homens mortos em supostos confrontos com a polícia deram entrada já mortos.


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