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GUERRA URBANA
Órgão recolheu 272 cadáveres no período em que governo contabiliza 138 mortes
Há duas hipóteses para a diferença de números: ou a violência sem relação com o PCC aumentou no período ou a polícia tem matado mais
Lista do IML aponta "sobra" de mortos na Grande SP
FABIANE LEITE
CLÁUDIA COLLUCCI
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há muito mais mortos que
deram entrada no IML no período do levante do PCC do que
nos números divulgados pelo
governo de São Paulo sobre o
confronto. As 12 unidades do
IML na capital e Grande São
Paulo, região em que se concentraram os confrontos, receberam 272 corpos de vítimas de
armas de fogo entre a noite de
sexta-feira, quando começaram os ataques, e fim da tarde
da última quarta-feira, segundo
dados obtidos pela Folha.
Nesses cinco dias, os mais
sangrentos dos embates do
PCC com a polícia, a Secretaria
da Segurança Pública divulgou
que havia 138 mortos no Estado -a soma inclui suspeitos de
ligação com PCC mortos em
supostos confrontos com a polícia, civis e integrantes das forças de segurança assassinados
por membros da organização.
Na última sexta-feira, o número oficial era de 169 mortos.
Se não tivesse existido o levante do PCC, a Grande São
Paulo teria registrado 65 homicídios nesses cinco dias, segundo tendência contabilizada pela Secretaria de Segurança no
primeiro trimestre deste ano.
Somando as 65 mortes da rotina mais as 138 vítimas dos
confrontos reconhecidas pelo
governo chega-se ao total de
203. Como o IML recebeu 272
vítimas, há 69 mortes a serem
esclarecidas pelo governo.
A Secretaria da Segurança
não comentou os dados do IML
e disse que é precipitado tirar
conclusões. O IML é vinculado
à secretaria e seus dados são
disponibilizados para a pasta.
Há duas hipóteses para a diferença de números: ou a violência sem relação alguma com
o PCC aumentou nesse período
ou a polícia tem matado mais
do que o governo diz. Na última
quarta-feira, o comandante-geral da PM, coronel Elizeu
Eclair Teixeira Borges, disse
que a criminalidade rotineira,
sem ligação com o PCC, havia
caído cerca de 50% desde que
começou a onda de atentados.
Na guerra iraquiana, morreram 36 civis por dia no período
mais letal do confronto, de
acordo com o site Iraq Body
Count. Em São Paulo, a média
de vítimas é de 54 por dia.
Os nomes das vítimas nos supostos confrontos com a polícia ainda não foram divulgados
e todos os órgãos envolvidos
com as mortes, inclusive hospitais, não podem divulgar informações. A PM alega que a divulgação dos nomes das vítimas atrapalharia a investigação. O PFL controla a prefeitura e o governo de São Paulo.
Médicos legistas, cirurgiões e
enfermeiros ouvidos pela Folha na última semana contam
que viveram num cotidiano
transfigurado em guerra. O número de vítimas no IML era tão
acima da média que havia corpos fora das geladeiras ou acomodados em dupla num espaço
onde caberia um só.
O estado que esses corpos
chegavam aos hospitais "é chocante", segundo definiu um
atendente de enfermagem que
pediu para não ter o nome divulgado. Três médicos dos hospitais que atenderam baleados
na última semana relatam a
mesma situação: na maioria
dos casos, as pessoas já chegaram mortas e com tiros concentrados no abdome e na cabeça. Nos corpos, havia sinais
de chamuscamento, o que sugere tiros a queima-roupa. Não
há registro de policiais feridos
nos supostos confrontos.
Na madrugada de segunda-feira, um médico que estava de
plantão em hospital da zona sul
conta que se recusou a receber
quatro corpos que já chegaram
frios no local porque a morte
ocorrera havia horas.
"É muita cara de pau", disse o
médico, referindo-se à atitude
dos policiais de querer registrar
a entrada no hospital de pessoas já mortas. Mortos devem
ser encaminhados diretamente
ao IML. Em dois hospitais da
zona oeste, porém, a Folha
apurou que pelo menos cinco
homens mortos em supostos
confrontos com a polícia deram entrada já mortos.
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