São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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DANUZA LEÃO

O medo


Quem mora no Rio ou em São Paulo pode ir para onde for, mas não se sentirá seguro em lugar nenhum do mundo

DIZEM QUE O oposto da vida não é a morte, mas o medo. Então estamos praticamente mortos, pois temos convivido com medo, muito medo, há dias.
Não que isso seja novidade; já nos acostumamos a sair de casa o menos possível, só mesmo para o necessário, sem bolsa, sem brinco, sem anel, sem relógio, nada, para não correr o risco de um garoto de dez anos nos abordar, com a mão debaixo da camisa, fingindo estar armado, e levar tudo. Fingindo? Mas e se não for fingimento e ele estiver mesmo com um revólver?
Ouve-se dizer que existem cidades onde ainda se pode andar nas ruas tranqüilamente, sem ficar olhando em volta para ver se alguém com ar suspeito está nos seguindo. Mas quem mora no Rio ou em São Paulo pode ir para onde for, mas não se sentirá seguro em lugar nenhum do mundo. O medo já está entranhado dentro de nós, e não vamos nos libertar dele tão cedo. Talvez nunca mais.
De quem é a culpa? Lula diz que é dos governos passados; a oposição diz que o PT cortou as verbas pró segurança; o Congresso se une e assina um projeto de lei contra a violência, como se isso resolvesse o problema, e a responsabilidade do bloqueio dos sinais de celulares nos presídios passa a ser das operadoras de telefonia. E por que não fizeram isso antes de morrerem mais de cem? E se houver falha no sistema, com mais rebeliões, será culpa das operadoras ou das autoridades?
Aliás, as mesmas autoridades que jamais conseguiram impedir que os celulares circulassem livremente nos presídios.
Dar educação aos jovens é necessário, mas é preciso, também, dar o exemplo. Um garoto que toma conhecimento do que se passa nos mais altos escalões do poder vai querer ser honesto, ter um emprego de 8h às 6h da tarde para ganhar R$ 500 reais por mês? Muito melhor cair no tráfico, viver uma vida de aventuras, ter um certo poder e descolar uma grana com uns poucos papelotes de cocaína no bolso.
Quando esse jovem vê um homem matar sua ex-namorada com um tiro nas costas, seguido de outro tiro na cabeça, com ela já caída, é condenado a 19 anos de prisão e tem direito a recorrer em liberdade, vai achar o que da vida e da Justiça?
O medo de uma punição severa pode impedir que muitos crimes sejam cometidos, mas no Brasil ninguém é castigado por nada; pode sair roubando e matando e continuar a viver como se nada fosse. E os 12 mil presos que tiveram sete dias de indulto para comemorar o Dia das Mães em casa? Isso fora Natal, Ano Novo e Semana Santa? Dá para acreditar? Não, este não é um país sério.
Há uma coisa que eu invejo nos criminosos que fazem com que vivamos num terror permanente: eles, ao contrário de nós, não têm medo de nada; nas autoridades, eles praticamente mandam, e ainda exigem usar camisas amarelas nos presídios e ter TVs para verem a Copa. Mesmo trancados dentro de casa o medo é permanente e, não sei bem por que, estou sentindo muita falta de Boris Casoy.


@ - danuza.leao uol.com.br


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