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ARTIGO
Cultura do desespero
Condições de prisões pioraram em 25 anos; faltam verbas e sobram detentos
LUIZ ALBERTO MENDES
ESPECIAL PARA A FOLHA
HÁ CERCA DE 25 anos,
o sistema prisional do
Estado de São Paulo
estava bastante bem aparelhado. A sociedade se importava
com o homem aprisionado. Prisão era terrível e o preso respeitado pela dureza de sua condição existencial.
A Penitenciária do Estado
possuía um hospital que realizava até pequenas cirurgias. Os
médicos eram os melhores possíveis: dr. Atílio, o oftalmologista, possuía consultório na região dos Jardins. Dr. Paulo Sérgio, ortopedista, era médico do
São Paulo Futebol Clube. Havia
o Senai, com cerca de 30 cursos
cujos certificados eram respeitados em todo o país. O setor de
educação, além de alfabetizar
(e era obrigatório pelo menos o
primário) propunha cursos de
desenhos, inglês, escriturário,
arquivista, outros cursos.
Na minha última passagem
pela Penitenciária do Estado,
há cinco anos, o hospital tornara-se local de trânsito para presos de outras prisões. O convênio com o Senai foi extinto em
1987, por conta de uma rebelião. As favelas, os cortiços aumentaram assustadoramente.
São Paulo transformou-se numa megalópole. A pobreza foi
multiplicada e transformou-se
em miséria na proporção em
que o desemprego e a população cresceram muito acima do
previsto. Por conseqüência, a
violência desenvolveu-se, a
brutalidade progrediu.
Então, a população carcerária, essa ponta do iceberg, como
queria Marx, começou a aumentar desproporcionalmente. As verbas para sustentar essa explosão demográfica prisional continuou a mesma. O sistema entrou em crise e começou a ser sucateado. A superpopulação das prisões chegou a
absurdos que todos nós vimos
nas reportagens de lá a esta
parte. O colapso se estabeleceu
e o preso foi abandonado nas
mãos dos diretores e dos guardas de prisão. Estes, despreparados, implantaram a lei do cano de ferro (espancamento
com cano de ferro), a política da
cela forte e do isolamento em
prisões cada vez mais duras.
Violência em cima de violência.
O ser humano faz cultura onde estiver, é de sua natureza.
Abandonado a si mesmo e vindo diretamente do ato criminoso, este homem preso só pode
fazer a cultura do crime. Não
conhece outra. A cultura da
união para se defender da
opressão. Está preso, mas continua humano, e lutar pela sobrevivência faz parte da condição humana. Nada diferente
lhes foi oferecido. Foi enterrado vivo, em pé e abandonado.
A sociedade fez como quem
joga uma bomba para cima e espera que ela crie asas e saia
voando para o infinito. Enquanto o preso estava atrás das
muralhas de grades, pouco lhes
importa a condição. Se comprimido, oprimido, espancado, ou
estupidificado, não era interessante saber. Importava mantê-lo distante da possibilidade de
atacar, ou seja, atrás das grades.
Mas veja: surpresa! A bomba
não voa. Começa a cair e detonar toda a nitroglicerina acumulada em décadas de abandono. O abandono, o isolamento
social e físico, geraram tudo isso que se vê nestes dias de terror em São Paulo. Somos todos
responsáveis por tudo o que está acontecendo.
Este não é um problema somente de Estado ou de polícia,
é de toda a sociedade a se repensar e tomar atitudes menos
demagógicas e absurdas. Por
exemplo: a maioria das pessoas
pensa que ao sair da prisão (como nos enlatados americanos),
o egresso recebe um lugar para
dormir, trabalho e ainda o
mantêm sob vigilância. Isso
não existe. No máximo, recebe
um bilhete para São Paulo e um
pé na bunda: se vira!
Se não tiver família, amigos,
retornará à prisão (o índice de
reincidência é 65%) ou vira
mendigo, esta gente apagada
socialmente nas praças da cidade. Muitos dos que habitam os
albergues noturnos são ex-presidiários que não conseguiram
a reintegração social.
Existe os que não sabem, e a
esses é possível esclarecer. Mas
o pior são os que não querem
saber, terão de ser esclarecidos.
LUIZ ALBERTO MENDES, 54, é autor de "Memórias de um Sobrevivente" e passou 31 anos preso
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