São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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Auto-escola oferece terapia para repetente

Medo de dar vexame, cometer erros bobos e constranger-se na frente de conhecidos são algumas razões para a reprovação

De janeiro a abril, Detran reprovou 36% dos candidatos na prova de direção; outros 7,8% nem compareceram ao teste

MATHEUS PICHONELLI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pela quinta vez nos últimos cinco meses, a representante comercial Michelle Medina, 31, entrou no carro para o exame de habilitação com calafrio, mãos geladas e pernas trêmulas. Repetia para si mesma as regras para, finalmente, sair do teste com a carteira de condutora. Mesmo assim, bastou olhar o painel acender para perder o controle da embreagem e repetir o fiasco.
O caso de Michelle não é isolado. Somente na cidade de São Paulo, entre janeiro e abril, 55.641 candidatos passaram pelo Detran (Departamento Estadual de Trânsito) para fazerem a prova de direção, dos quais 19.866 (36%) foram reprovados. Outros 4.319, o equivalente a 7,8%, sequer compareceram ao exame.
Na tentativa de diminuir o índice de reprovação, algumas auto-escolas investem no acompanhamento psicológico do aluno como forma de atenuar o estresse da avaliação.
Em algumas delas, como a auto-escola Persona, de São Paulo, há atividades extras, divididas em aulas práticas e teóricas e dinâmicas de grupo, além de sessões com psicólogos. A opção pode custar R$ 345 a mais por mês.

Erros bobos
Cecília Bellina, psicóloga e empresária, é proprietária da Persona e de outras dez clínicas especializadas em medo na direção. Autora do livro "Dirigir Sem Medo", ela afirma que o medo de dar vexame, cometer erros bobos e se constranger diante dos amigos é o principal motivo para o alto índice de reprovação no Detran. No livro, ela relata histórias de quem conseguiu superar o trauma.
"Temos hoje mais de 30% de alunos em relação ao ano passado. A busca por acompanhamento psicológico é uma tendência. Muitos [candidatos ao exame] entram em pânico antes mesmo da avaliação", diz.
Foi o caso da estudante de serviço social Jessica Siqueira, 19, que fez quatro vezes o exame de habilitação para obter a carteira de motorista. No último teste, ela seguiu a orientação de amigos e tomou mais de um litro de suco de maracujá.
"Me sentia pressionada por amigos e família e ficava incomodada quando era reprovada. Era como se eu fosse o pior ser humano da terra." No Orkut, site de relacionamentos da internet, são muitos os relatos de trauma semelhantes ao de Jessica (leia texto abaixo).
Há casos em que a ansiedade leva a extremos. No último dia 8, a operadora de caixa Nadir Maria de Oliveira, 25, entrou em coma ao ingerir remédio para hipertensão antes de realizar o teste de motorista, em Belo Horizonte. Ela morreu na última quinta-feira, após sofrer uma parada cardíaca.

Para relaxar, calmante
Especialista em ansiedade, a psicóloga Olga Inês Tessari afirma serem comuns casos de pessoas que ingerem bebidas alcóolicas ou calmantes para relaxar antes do teste. "O calmante afeta os reflexos. Se o aluno não controlar a ansiedade e tiver de tomar calmante todas as vezes que estiver nervoso, com certeza não será um bom motorista", explica a psicóloga.
Ela conta ter atendido cerca de 3.000 pacientes nos últimos dois anos com problemas na direção e que muitos deles só procuraram ajuda após fracassar no teste pela quinta vez.
"Se há um traço comum entre eles é a dificuldades em se comportar quando são observados e testados. São, geralmente, pessoas que não gostam de receber críticas, não falam em público e buscam sempre desculpas pelos erros", afirma.
O estresse no momento de ser testada fez a estudante de economia Maria Fernanda Gomes, 22, desistir de tirar a carteira. Na primeira vez que fez o exame, resolveu dirigir até o local da prova para testar as habilidades. No caminho, atropelou um ciclista. Mesmo não tendo provocado ferimentos graves, ela desistiu da prova naquele dia e voltou duas semanas depois. "Foi um fiasco", conta.
"Pedi para ser a última, para que ninguém me visse. Quando fiz a baliza, encostei a roda na calçada e todo mundo começou a dar palpite. Fiquei nervosa e não consegui sair da situação. Quando vi o resultado [do teste de direção], amassei o papel e joguei no rosto do instrutor."
Para Olga Tessari, o resultado adverso no exame de habilitação não significa que o candidato não está apto a conduzir o veículo. Michelle Medina, por exemplo, diz que a única vez que se mostrou tensa no volante foi justamente quando foi avaliada pelos instrutores.
"Gastei mais de R$ 2 mil em aulas e não adiantou. No meu caso, nem os calmantes ajudaram. Sempre saio dos testes triste e aliviada ao mesmo tempo. É como se uma tortura tivesse acabado."


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