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Auto-escola oferece terapia para repetente
Medo de dar vexame, cometer erros bobos e constranger-se na frente de conhecidos são algumas razões para a reprovação
De janeiro a abril, Detran reprovou 36% dos candidatos na prova de direção; outros 7,8% nem compareceram ao teste
MATHEUS PICHONELLI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pela quinta vez nos últimos
cinco meses, a representante
comercial Michelle Medina, 31,
entrou no carro para o exame
de habilitação com calafrio,
mãos geladas e pernas trêmulas. Repetia para si mesma as
regras para, finalmente, sair do
teste com a carteira de condutora. Mesmo assim, bastou
olhar o painel acender para
perder o controle da embreagem e repetir o fiasco.
O caso de Michelle não é isolado. Somente na cidade de São
Paulo, entre janeiro e abril,
55.641 candidatos passaram
pelo Detran (Departamento
Estadual de Trânsito) para fazerem a prova de direção, dos
quais 19.866 (36%) foram reprovados. Outros 4.319, o equivalente a 7,8%, sequer compareceram ao exame.
Na tentativa de diminuir o
índice de reprovação, algumas
auto-escolas investem no
acompanhamento psicológico
do aluno como forma de atenuar o estresse da avaliação.
Em algumas delas, como a
auto-escola Persona, de São
Paulo, há atividades extras, divididas em aulas práticas e teóricas e dinâmicas de grupo,
além de sessões com psicólogos. A opção pode custar R$
345 a mais por mês.
Erros bobos
Cecília Bellina, psicóloga e
empresária, é proprietária da
Persona e de outras dez clínicas
especializadas em medo na direção. Autora do livro "Dirigir
Sem Medo", ela afirma que o
medo de dar vexame, cometer
erros bobos e se constranger
diante dos amigos é o principal
motivo para o alto índice de reprovação no Detran. No livro,
ela relata histórias de quem
conseguiu superar o trauma.
"Temos hoje mais de 30% de
alunos em relação ao ano passado. A busca por acompanhamento psicológico é uma tendência. Muitos [candidatos ao
exame] entram em pânico antes mesmo da avaliação", diz.
Foi o caso da estudante de
serviço social Jessica Siqueira,
19, que fez quatro vezes o exame de habilitação para obter a
carteira de motorista. No último teste, ela seguiu a orientação de amigos e tomou mais de
um litro de suco de maracujá.
"Me sentia pressionada por
amigos e família e ficava incomodada quando era reprovada.
Era como se eu fosse o pior ser
humano da terra." No Orkut, site de relacionamentos da internet, são muitos os relatos de
trauma semelhantes ao de Jessica (leia texto abaixo).
Há casos em que a ansiedade
leva a extremos. No último dia
8, a operadora de caixa Nadir
Maria de Oliveira, 25, entrou
em coma ao ingerir remédio
para hipertensão antes de realizar o teste de motorista, em Belo Horizonte. Ela morreu na última quinta-feira, após sofrer
uma parada cardíaca.
Para relaxar, calmante
Especialista em ansiedade, a
psicóloga Olga Inês Tessari
afirma serem comuns casos de
pessoas que ingerem bebidas
alcóolicas ou calmantes para
relaxar antes do teste. "O calmante afeta os reflexos. Se o
aluno não controlar a ansiedade e tiver de tomar calmante todas as vezes que estiver nervoso, com certeza não será um
bom motorista", explica a psicóloga.
Ela conta ter atendido cerca
de 3.000 pacientes nos últimos
dois anos com problemas na direção e que muitos deles só
procuraram ajuda após fracassar no teste pela quinta vez.
"Se há um traço comum entre eles é a dificuldades em se
comportar quando são observados e testados. São, geralmente, pessoas que não gostam
de receber críticas, não falam
em público e buscam sempre
desculpas pelos erros", afirma.
O estresse no momento de
ser testada fez a estudante de
economia Maria Fernanda Gomes, 22, desistir de tirar a carteira. Na primeira vez que fez o
exame, resolveu dirigir até o local da prova para testar as habilidades. No caminho, atropelou
um ciclista. Mesmo não tendo
provocado ferimentos graves,
ela desistiu da prova naquele
dia e voltou duas semanas depois. "Foi um fiasco", conta.
"Pedi para ser a última, para
que ninguém me visse. Quando
fiz a baliza, encostei a roda na
calçada e todo mundo começou
a dar palpite. Fiquei nervosa e
não consegui sair da situação.
Quando vi o resultado [do teste
de direção], amassei o papel e
joguei no rosto do instrutor."
Para Olga Tessari, o resultado adverso no exame de habilitação não significa que o candidato não está apto a conduzir o
veículo. Michelle Medina, por
exemplo, diz que a única vez
que se mostrou tensa no volante foi justamente quando foi
avaliada pelos instrutores.
"Gastei mais de R$ 2 mil em
aulas e não adiantou. No meu
caso, nem os calmantes ajudaram. Sempre saio dos testes
triste e aliviada ao mesmo tempo. É como se uma tortura tivesse acabado."
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