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Médicos discutem regra em doação de órgãos
Relatório sobre três transplantes de coração em bebês com órgãos de pacientes sem morte cerebral abre discussão nos EUA
Em dois casos em Denver,
médicos aguardaram 75
segundos após coração
parar de bater para declarar
que bebês haviam morrido
STEPHANIE NANO
DA ASSOCIATED PRESS, EM NOVA YORK
Um relatório sobre três
transplantes de coração envolvendo bebês está servindo para
concentrar as atenções em uma
questão espinhosa no campo da
doação de órgãos: quando e como um paciente pode ser declarado morto?
Por décadas, os órgãos eram
removidos, tipicamente, apenas depois que os médicos haviam determinado que o cérebro do paciente havia deixado
de funcionar completamente.
No caso das crianças em questão, as três estavam sobrevivendo com a ajuda de aparelhos
e demonstravam baixa atividade cerebral, ainda que não
atendessem aos critérios que
definem morte cerebral.
Com o consentimento de
suas famílias, as crianças recém-nascidas tiveram desligados os sistemas de respiração
artificial, e cirurgiões de Denver removeram seus corações
minutos após eles pararem de
bater. Os órgãos foram transplantados, e os bebês que os receberam sobreviveram.
"Parecia existir uma necessidade não atendida, em ambas
as situações", disse o Dr. Mark
Boucek, que conduziu o estudo
para o Hospital Infantil de
Denver. "Os recipientes estavam para morrer enquanto
aguardavam órgãos para doação. E tínhamos crianças prestes a morrer, cujas famílias desejavam doar e não podiam".
O procedimento, conhecido
como doação pós-morte cardíaca, vem sendo encorajado
pelo governo norte-americano,
bancos de órgãos e outras instituições como uma maneira de
aumentar a disponibilidade de
órgãos e dar a mais famílias a
possibilidade de doar.
Mas a abordagem suscita
questões judiciais e éticas, porque envolve crianças. Segundo
aqueles que a criticam, viola as
leis que governam o momento
em que órgãos de doadores podem ser removidos.
À medida que o método ganha aceitação, o número de
doações em situações de morte
cardíaca parece crescer. No ano
passado, houve 793 doações em
casos de morte cardíaca, o equivalente a 10% do total de doações, de acordo com a United
Network for Organ Sharing. A
maior parte dos casos de adultos doadores de rins ou fígado.
"Trata-se de um cenário mais
comum hoje do que teria sido
cinco anos atrás", disse Joel
Newman, porta-voz da rede.
O coração é raramente removido após a morte cardíaca, devido a preocupações de que a
falta de oxigênio possa prejudicá-lo. Nas doações pós-morte
cerebral, o doador fica em um
aparelho que mantém sangue
rico em oxigênio fluindo para
os órgãos até serem removidos.
Os casos de Denver foram relatados no "New England Journal of Medicine". Os editores,
afirmaram que pretendiam
promover a discussão das doações pós-morte cardíaca, especialmente para transplantes de
coração a bebês.
Eles também incluíram comentários e criaram um painel
de discussão envolvendo médicos e especialistas em ética.
Muitas das declarações estavam relacionadas à "regra do
doador morto", amplamente
aceita, e ao tempo de espera entre o momento em que o coração pára e aquele em que é removido, para garantir que ele
não volte a bater por sua conta.
Em dois dos casos de Denver,
os médicos esperaram por 75
segundos; o Instituto de Medicina dos EUA sugere espera de
cinco minutos, e outros cirurgiões aguardam dois minutos.
As leis estaduais estipulam
que os doadores sejam declarados mortos antes da doação,
com base ou em perda total de
funções cerebrais ou em perda
irreversível de funções cardíacas. Alguns comentaristas alegaram que os casos de Denver
não atendem a essa norma,
porque foi possível reativar os
corações transplantados, nos
pacientes recebedores.
"O caso é claro. Não existia irreversibilidade e morte", disse
Robert Veatch, professor da
Universidade de Georgetown.
Mas outros argumentam que a
definição de morte é inadequada: deve ser dada ênfase às
chances de sobrevivência de casos por dano cerebral.
Os transplantes em Denver
foram em prazo de três anos:
um em 2004 e os outros dois no
ano passado. Os três bebês doadores tiveram danos cerebrais
por falta de oxigênio, ao nascer.
Em média, estavam com quatro
dias de vida quando os aparelhos foram desligados.
No primeiro caso, os médicos
esperaram por três minutos,
após o coração parar, antes de
declarar morte. Nos demais, foi
de 75 segundos, por recomendação do comitê de ética, para
os corações não sofrerem danos. Os médicos disseram que a
espera de 75 segundos foi adotada porque não existem caso
conhecidos de corações que tenham recomeçado a bater após
60 segundos parados.
Os corações foram dados a
três bebês nascidos com defeitos ou doenças cardíacas. Os resultados obtidos no caso deles
foram comparados a 17 outros
transplantes de coração realizados no hospital ao mesmo
tempo, mas com doadores pediátricos com morte cerebral.
"Não havia como identificar
a diferença", disse Boucek, no
Hospital Infantil Joe DiMaggio, em Hollywood, Flórida.
Houve outros nove potenciais doadores por morte cardíaca no hospital, no período
em questão, mas não foram encontrados recipientes adequados para seus corações, na área.
Os pais de um dos bebês, Dan
Grooms e Jill Airington-Grooms, souberam em 2007
que sua primeira filha, Addison, nascera com baixa função
cerebral e não sobreviveria.
Depois que decidiram pelo
desligamento do sistemas artificiais de sustentação da vida,
foram consultados sobre uma
possível doação de órgão, e rapidamente concordaram.
"A realidade é que Addison
não viveria", disse Jill Airington-Grooms. "Por mais difícil
que tenha sido receber a notícia, a oportunidade nos proporcionou um raio de esperança".
Três dias mais tarde, os aparelhos foram desligados e Addison morreu. Seu coração foi dado a outro bebê da região de
Denver, Zachary Apmann, de
dois meses de idade, que nasceu cinco semanas prematuro e
com coração subdesenvolvido.
Os pais do menino, Rob e
Mary Ann Apmann, disseram
que diversas opções lhes foram
oferecidas, mas que preferiram
esperar pelo transplante. Concordaram em que aceitariam
uma doação de paciente de
morte cardíaca porque aumentaria as chances de Zachary.
Mary Ann Apmann diz que
não se preocupou pelo fato de o
primeiro coração disponível ter
vindo de doador por morte cardíaca.
"Àquela altura, Zachary estava mal. Estava conosco em casa. Mas sabíamos que isso não
duraria muito tempo", afirma.
Após o transplante, em 4 de
janeiro, o bebê melhorou. Agora, aos 21 meses, "ele é bem ativo, adora brincar", conta a mãe.
As duas famílias não se conhecem, mas mantêm contato
por telefone. Os Grooms têm
uma filha de oito meses, Harper. "Addison só viveu três dias,
mas, por causa do transplante,
ela sobrevive", disse sua mãe.
TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI
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