São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004

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Utilização não é consenso porque prática não é reconhecida

DA AGÊNCIA FOLHA

O uso de medicamentos à base de plantas na rede pública não é consenso entre profissionais da área, sobretudo porque a prática não é reconhecida pelo CFM.
Em São Paulo, a aprovação em fevereiro de uma lei que permite o uso da fitoterapia em um posto de saúde a ser criado foi alvo de críticas do CRM (Conselho Regional de Medicina) local. O presidente do órgão, Clóvis Francisco Constantino, ameaçou questionar a lei na Justiça, mas desistiu. Para ele, o fato de o poder público adotar a prática pode levar ao retardamento do diagnóstico. "É querer baratear os custos na rede pública."
O preço mais baixo é um dos argumentos dos coordenadores de programas que envolvem a fitoterapia. No Distrito Federal, segundo o órgão responsável, o xarope de guaco custa cerca de R$ 0,80 (unidade) se produzido no laboratório do programa e cerca de R$ 5 nas farmácias de manipulação. O preço é questão central para Terezinha de Jesus, do Farmácia da Terra, no Amapá, em funcionamento em cinco cidades. "Os médicos são itinerantes, a maioria das pessoas desses municípios não tem acesso a medicamentos."
Para Eduardo Pagani, um dos diretores da Sobrafito (Sociedade Brasileira de Fitomedicina), o uso exclusivo de fitoterápicos ou plantas medicinais não é recomendado, "mas se é a única opção, o tratamento é válido".
Para o professor de farmacologia da Unifesp Antônio José Lapa, é "difícil" receitar fitoterápicos como medicamentos. Lapa disse que, se não houver eficácia demonstrada clinicamente, eles podem ter apenas efeito psicológico ou causar intoxicações.
Há cerca de quatro anos, a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP abriga um laboratório de fitoterápicos, o Fitofar. Segundo a diretora do órgão, Elfriede Bacchi, a incorporação da fitoterapia pela rede de saúde pública é "complicada" não só por questões da cadeia produtiva e da ausência de estrutura, mas também por falta de pesquisa. Segundo ela, na lista de fitoterápicos registrados pela Anvisa, há poucas plantas brasileiras. Por isso é necessário investir em pesquisa.
Dosagens incorretas e problemas de identificação de espécies são comuns, segundo a Fundação Oswaldo Cruz. Nesse ponto, os coordenadores de programas afirmam que as políticas de uso da fitoterapia ajudam a convencer a população de que plantas podem ser remédios e que cuidados devem ser tomados.
Segundo médicos ouvidos pela Agência Folha, algumas práticas tradicionais, como o chá de confrei usado como antiinflamatório, podem causar danos que levam ao câncer de fígado. Um outro exemplo é o uso da erva buchinha sem a devida diluição para desentupir o nariz. Há possibilidade de queimaduras sérias. A mesma planta também é abortiva. Em 2002, a Fundação Oswaldo Cruz registrou 14 internações devido ao uso da erva com esse fim.
De acordo com o diretor-adjunto para área de medicamentos da Anvisa, Davi Rumel, não há funcionários suficientes para o órgão fazer cumprir uma legislação que proíba ou limite a venda desse tipo de planta em locais como casas de umbanda. A Anvisa fiscaliza apenas fitoterápicos processados, não se estendendo a folhas, cascas de árvore ou raízes.
Uma das ressalvas à fitoterapia é feita pelo presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, Francisco Caravanti Júnior, que teme a ausência de farmacêuticos nos laboratórios públicos que produzam fitoterápicos. A preocupação com a qualidade também foi levantada pelo presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo, Lauro Mattos. "Talvez seja muito cedo para aplicar no poder público."


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