São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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Especialistas criticam política prisional

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao aplicar um "remédio amargo demais" para todos os presos, o Estado está "incentivando a violência em indivíduos não necessariamente violentos". Ao construir presídios grandes com 500 vagas ou mais -"que logo estarão superlotados"-, o governo "está fechando um Carandiru e abrindo 20". E, ao ignorar as famílias dos presos -só no Estado de São Paulo, são cerca de 107 mil-, deixando-as expostas à humilhação e ao descaso, o Estado está "criando um caldo de violência e ódio" do lado de fora das prisões.
As críticas são de instituições e especialistas em direitos humanos e se referem à política de endurecimento adotada pelo governo diante das ações do crime organizado. Para eles, o poder paralelo instalado pelas organizações criminosas foi uma reação à violência do sistema prisional e ao vazio deixado pelo Estado.
"Os grupos surgiram pela ausência de compromisso do Estado e pelo descaso do Judiciário para com os presos pobres", diz padre Valdir João Silveira, coordenador da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo.
Por um período, o domínio das facções reduziu as mortes e a violência dentro das celas, mas fez crescer os sequestros, os assaltos e o tráfico nas ruas, como forma de financiar as fugas.
Com funcionários despreparados e mal pagos, a corrupção passou a ser o meio de fuga mais empregado. "O Estado e a sociedade tratam o agente penitenciário como trata o preso", diz Silveira.
No entanto, o "funcionário é peça-chave" na ordem dos presídios e na ressocialização do preso, diz Hélio Bicudo, vice-prefeito de São Paulo e presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos.
Na prática, a Lei de Execuções Penais, de 1984, considerada moderna e civilizada, está cada vez mais distante de ser aplicada. Pela lei, a função da prisão não é a punição, mas a "ressocialização das pessoas condenadas", que devem ter seus direitos protegidos.
"O preso não tem escola nem trabalho, alguns têm ocupação, costuram bola para evitar que façam túneis", diz Bicudo.
Para ele, em vez de "ir à raiz, oferecendo condições ao preso de se educar e se recuperar, o governo toma medidas de curto prazo que se caracterizam pela violência". "O preso é tratado como um animal, come como um animal. Ao construir grandes presídios, afastando o preso de sua família, o Estado está criando 20 outros Carandirus."
Apenas uma parte desse universo de 170 mil presos do país exigiria tratamento especial, dizem as entidades de direitos humanos. "Elias Maluco e Fernandinho Beira-Mar, que precisam ser tratados com extremo rigor, não representam a média dos presos", diz o sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. "Não dá para tratar todos com o mesmo remédio amargo. Um sistema que reforça a violência vai socializar o preso para ser delinquente. Hoje, quase metade dos presos que saem da prisão acaba voltando ao crime."
Do lado de fora, o Estado estaria esquecendo a família do preso, referência fundamental na sua recuperação. Padre Silveira calcula em quase 500 mil os familiares de presos no Estado. "São crianças discriminadas nas escolas e mulheres humilhadas. O governo está criando um caldo de ódio."


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