São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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URBANIDADE

O catecismo de uma judia

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Apenas agora, aos 55 anos, Fanny Feigenson descobriu Carlos Zéfiro, cujas imagens de sexo explícito povoaram a imaginação dos garotos das décadas de 50 e 60 no Brasil. Ficou a tal ponto intrigada com aquelas histórias em quadrinhos que ela fez Zéfiro se estender na cama de um quarto de hotel vazio do centro de São Paulo.
Professora de desenho no cursos de comunicação e artes do Mackenzie, Fanny vinha realizando uma série de trabalhos inspirados no erotismo. Até que um amigo apresentou-lhe aos gibis pornográficos de Zéfiro, apelidados ironicamente de "catecismo".
Nesta semana, surgiu a chance de transformar o "catecismo" em arte, graças ao Lord Palace Hotel, no centro de São Paulo, desativado por falta de clientes. Entregaram os quartos para que artistas fizessem instalações, e Fanny produziu lençóis com as histórias de Zéfiro. Por cima do tecido branco, cobrindo a cama, uma sucessão de quadrinhos mostra a tentação pecaminosa e ardente de um homem jovem por uma mulher mais velha, vítima da paixão arrebatadora.
Fanny se diverte ao ver os homens entre 40 e 60 anos, uma espécie de "geração Zéfiro", de olhos brilhando diante do lençol. "É como se voltassem, naquele instante, a ser crianças que, trancadas no banheiro da escola, seguravam trêmulas o gibi."
A instalação acabou levando Fanny às suas próprias lembranças . "Por algum motivo, essa exposição me trouxe lembranças das minhas fantasias infantis." Ela sempre se sentiu um pouco estrangeira no Brasil, onde nasceu; sua língua de casa era o alemão e o idishe, falado pelos judeus da Europa Oriental. Seus pais vieram com três filhos, fugidos de Letônia, e foram morar numa casa em Higienópolis. Quase toda a família foi morta. "Tivemos de fantasiar para viver com essa dor."
Quando Zéfiro começou a seduzir gerações com suas mulheres irresistíveis, lascivas e solitárias, quase sempre abandonadas, Fanny aprendia a desenhar com um método especial de uma húngara, também fugida dos nazistas. Para estimular a criatividade da aluna, a professora lia, em voz alta, contos de fadas.
Aquele quarto de hotel produziu a junção, no tempo, das fadas que inspiravam a solitária menina de sete anos com o erotismo dos "catecismos" descobertos pela mulher de 55 anos.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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