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URBANIDADE
O catecismo de uma judia
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Apenas agora, aos 55
anos, Fanny Feigenson
descobriu Carlos Zéfiro, cujas
imagens de sexo explícito povoaram a imaginação dos garotos
das décadas de 50 e 60 no Brasil.
Ficou a tal ponto intrigada com
aquelas histórias em quadrinhos
que ela fez Zéfiro se estender na
cama de um quarto de hotel vazio do centro de São Paulo.
Professora de desenho no cursos de comunicação e artes do
Mackenzie, Fanny vinha realizando uma série de trabalhos
inspirados no erotismo. Até que
um amigo apresentou-lhe aos gibis pornográficos de Zéfiro, apelidados ironicamente de "catecismo".
Nesta semana, surgiu a chance
de transformar o "catecismo"
em arte, graças ao Lord Palace
Hotel, no centro de São Paulo,
desativado por falta de clientes.
Entregaram os quartos para que
artistas fizessem instalações, e
Fanny produziu lençóis com as
histórias de Zéfiro. Por cima do
tecido branco, cobrindo a cama,
uma sucessão de quadrinhos
mostra a tentação pecaminosa e
ardente de um homem jovem
por uma mulher mais velha, vítima da paixão arrebatadora.
Fanny se diverte ao ver os homens entre 40 e 60 anos, uma espécie de "geração Zéfiro", de
olhos brilhando diante do lençol.
"É como se voltassem, naquele
instante, a ser crianças que,
trancadas no banheiro da escola, seguravam trêmulas o gibi."
A instalação acabou levando
Fanny às suas próprias lembranças . "Por algum motivo, essa exposição me trouxe lembranças
das minhas fantasias infantis."
Ela sempre se sentiu um pouco
estrangeira no Brasil, onde nasceu; sua língua de casa era o alemão e o idishe, falado pelos judeus da Europa Oriental. Seus
pais vieram com três filhos, fugidos de Letônia, e foram morar
numa casa em Higienópolis.
Quase toda a família foi morta.
"Tivemos de fantasiar para viver
com essa dor."
Quando Zéfiro começou a seduzir gerações com suas mulheres irresistíveis, lascivas e solitárias, quase sempre abandonadas, Fanny aprendia a desenhar
com um método especial de uma
húngara, também fugida dos
nazistas. Para estimular a criatividade da aluna, a professora
lia, em voz alta, contos de fadas.
Aquele quarto de hotel produziu a junção, no tempo, das fadas que inspiravam a solitária
menina de sete anos com o erotismo dos "catecismos" descobertos pela mulher de 55 anos.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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