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MOACYR SCLIAR
Um pesadelo americano
Bush, certa manhã, levanta e olha-se no espelho; constata que, durante a noite, cresceu-lhe uma barba como a de Fidel
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Governo americano estatiza 80% da seguradora AIG. Com os grandes bancos
americanos se recusando a emprestar
dinheiro para a AIG, o governo dos Estados Unidos, por meio do Federal Reserve, vai dar um empréstimo de US$ 85 bilhões para a maior seguradora do mundo. Folha Online
Bush estatiza. Palavras importam e o governo dos Estados Unidos evita admitir
que estatizou as maiores empresas de
crédito imobiliário do país. Mas foi exatamente o que fez a administração George W.Bush. Editorial, 9 de setembro de 2008
EU TENHO um sonho, confidenciou o presidente George
W.Bush a um amigo íntimo:
Um sonho recorrente, que me deixa
muito angustiado. Na verdade é um
pesadelo. Não existia o sonho americano, dos imigrantes que vinham
para cá em busca de liberdade e
prosperidade? Pois eu acabo de descobrir que existe um pesadelo americano.
No sonho, ou pesadelo, George
W.Bush acorda uma manhã sentindo-se esquisito. Levanta-se, vai se
olhar ao espelho e constata que, durante a noite, cresceu-lhe a barba.
Uma barba enorme, viçosa. Uma
barba semelhante à do Fidel Castro
de Sierra Maestra. E ah, sim, uma
barba semelhante à de Karl Marx,
cujo retrato Bush viu algumas vezes
e que é para ele uma remota figura
do passado, sem qualquer importância no presente. Mas agora é
obrigado a pensar em Marx. E é
obrigado a pensar em Fidel Castro, e
até em Guevara, que também tinha
barba.
O que o deixa apavorado. O barbeiro da Casa Branca é chamado e
tenta, inutilmente, remover aquela
barba. Não consegue. Mal corta uns
fios, outros brotam em seguida, com
extraordinária rapidez. Bush tornou-se irremediavelmente barbudo. E então nota, para seu crescente
pavor, que não apenas seu rosto mudou. O mesmo aconteceu com sua
cabeça, com seu modo de pensar.
Quando os jornalistas lhe perguntavam se o governo havia optado pela
estatização, ele desconversava. Agora, não. Agora o que dirá -e isto é
um impulso irresistível- é que está,
sim, estatizando. E que não se limitará a empresas de crédito imobiliário ou seguradoras. Tudo será estatizado. Bancos, indústrias, o McDonald's, a Coca-Cola, tudo. E sem indenização. Confisco simples e estamos conversados. Claro, para isto
ele terá de tomar providências. Em
primeiro lugar, precisará de um partido político forte. Os indecisos republicanos não lhe servem. Criará
uma nova agremiação, com um hino
(que pode começar com a frase "De
pé, ó vítimas da fome"), com um lema (algo como "Proletários do mundo inteiro, uni-vos"), com uma bandeira -a cor vermelha lhe parece
particularmente sugestiva.
Os adversários políticos certamente não gostarão, mas a regra será a do pensamento único. Quem
discordar poderá ir embora, ou então passar uma temporada em campos de recuperação ideológica. Mais
importante que tudo, porém, a economia será planejada, rigorosamente planejada. Crises, colapsos? Nunca mais. A felicidade econômica reinará para sempre.
Este é o sonho (ou pesadelo) que
atormenta o presidente e do qual ele
tenta livrar-se. Já experimentou várias espécies de soníferos, sem êxito.
Se ao menos a Bolsa subisse, se o
transportasse àquelas alturas onde
reina paz e sossego, ele enfim poderia dormir em paz. O que, ao fim e ao
cabo, é o seu verdadeiro sonho.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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