São Paulo, terça-feira, 22 de setembro de 2009

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CECILIA GIANNETTI

Numa nice até o próximo pipoco


Para eles, o terror no túnel não passa de paranoia coletiva, causada pelo ruído dos canos de descarga de motocicletas

O RISCO ESTÁ aqui. Vocês e sua impotência e fragilidade diante dele podem contar com isso. É frequente, poderia se desenhar uma constante com as ocorrências -e, por mais cansativo que possa parecer o comentário sobre a violência no Rio, é necessário tentar juntar lé com cré, crime após crime, para que não passem como fatos isolados, manchetes sem relação umas com as outras. Ou com as vidas que ainda não cruzaram, por acaso, com arrastões, sequestros e tiroteios que sucedem um após o outro, dia sim, dia não; às vezes dia sim e no dia seguinte também.
Em 16 de setembro, uma tentativa de arrastão no túnel Zuzu Angel -que terminou com "só" um assalto- despertou o lado "numa-nice" daqueles cariocas que nunca foram vítimas de ataques dos mais comuns, nem jamais levaram um "pipoco", nem perderam alguém que já levou. Conheço poucos, mas alguns sortudos ainda existem; e quando surge uma sombra de dúvida sobre qualquer sinal da falta de segurança em que sobrevivemos, debatem o assunto como se este fosse ainda o Rio de 1950; um Rio dourado, porém repleto de estraga-prazeres noiados.
Para eles, o terror no túnel não passa de paranoia coletiva, provocada pelo ruído dos canos de descarga de motocicletas. Não foi nada, não, os "numa-nice" sorriem: coisa da mídia. "Pra quê abandonar os carros e sair correndo? Por conta de uns estouros no escuro? Medo de tiro? Gente estressada."
São esses os "numa-nice" -baseada em gíria tão ultrapassada quanto seu pensamento sossegadão.
Panos quentes foram colocados sobre o assunto -com a ajuda da polícia, de acordo com sites que debatem constantemente essas ocorrências, além de blogs de repórteres especializados em criminalidade e mesmo de policiais. Mas o ataque ao túnel não foi cosplay de violência.
A delegacia da Barra da Tijuca teria ao menos um registro que o demonstra: quatro bandidos, em duas motos, e um motociclista vítima de roubo, no túnel Zuzu Angel, às 21h. Registro baseado em efeitos especiais holográficos? Os "numa-nice" creem que sim. Vamos à praia, pois.
Na mesma semana, um técnico judiciário foi morto com um tiro em Ipanema, depois que dois homens tentaram roubar sua moto. O crime foi a poucos metros de onde um médico teve uma moto importada roubada; apesar de baleado, sobreviveu.
Cerca de um mês antes, quatro assaltantes armados com pistolas fizeram a limpa em quem passava pelo túnel Santa Bárbara, sentido Catumbi -com direito a troca de tiros enquanto rolava a ação. E, antes disso, os mesmos criminosos roubaram um carro no Leblon, na zona sul, fazendo refém o motorista.
No começo de setembro, aproximadamente dez homens armados fizeram um mui bem sucedido arrastão no túnel velho, em Copacabana. No mesmo dia, houve outro arrastão em Ipanema, tiroteio rotineiro na favela da Rocinha, o tráfico impediu que bombeiros atuassem em incêndio no Morro do Juramento e, em Campo Grande, foram encontrados três corpos -isso porque focamos aqui na narrativa oficial que chegou aos jornais, e dentro de um período curto, de semanas.
Menos de 24 h antes, um prédio luxuoso, num dos pontos residenciais mais caros do Rio de Janeiro -a av. Delfim Moreira, no Leblon, onde vive o governador Sérgio Cabral- sofreu arrastão, bem como um prédio de classe média na Tijuca.
E em São Paulo? Está tudo assim tão "animado" também? E-mails à Redação (ou para giannetti@ gmail.com); gostaria de ouvir suas ideias e comparações.


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