São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2007

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Não há museu 100% seguro, diz Júlio Neves

Presidente do Masp afirma não estar "fugindo da responsabilidade" e ter o "maior interesse" em deixar o cargo em 2008

Segundo ele, após o furto, a segurança do museu, feita por homens com rádios e sem "alarme de fazer barulho", será revista

TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente do Masp, Júlio Neves, afirmou ontem que a instituição "não está fugindo da responsabilidade" e que agora faz "uma agenda positiva" para recuperar as obras e repensar a segurança do prédio.
"Não existe no mundo nenhum sistema que tenha 100% de garantia", afirmou.
À frente da instituição desde 1994, o arquiteto de 75 anos disse ter dormido apenas duas horas desde que soube do furto.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida depois que Neves esteve com o governador José Serra e o ministro da Cultura, Gilberto Gil, durante assinatura de convênio entre o Estado e a União.

 

FOLHA - Qual foi sua reação ao receber a notícia?
JÚLIO NEVES -
Evidentemente foi uma surpresa. Em 60 anos nada semelhante [tinha acontecido] e aquilo que tínhamos como sistema de segurança funcionou, até em tentativas recentes [de assalto].
Não existe no mundo nenhum sistema que tenha 100% de garantia. Tem com mais ou menos riscos. Funcionamos na avenida Paulista durante 30 anos sem qualquer equipamento de segurança. Ela sempre foi feita com nosso pessoal. Até que fizemos uma grande reforma, em 2001. Colocamos o melhor sistema de segurança que havia, mas é claro que, em 2007, há coisas mais modernas.

FOLHA - Houve uma tentativa de assalto na segunda passada?
NEVES -
Não, houve um princípio, uma coisa muito empírica.

FOLHA - Como um princípio?
NEVES -
O sujeito chegou perto da porta e, com o barulho, o segurança olhou por cima e fugiram. Não chegaram a entrar.

FOLHA - O museu tem alarme?
NEVES -
O alarme que nós temos é pelo radinho, não é o alarme de fazer barulho. Era o sistema que existia quando a gente fez a reforma. É visual. A segurança do museu prefere fazer ronda com o pessoal e através de rádio. Agora, nós vamos rever todos os sistemas.

FOLHA - Em setembro, o sr. afirmou à Folha que não poderia informar o valor do seguro das obras...
NEVES -
Das obras, dentro do museu, nunca teve. Nenhum museu do Brasil tem e se algum no mundo tiver, eu não conheço. As obras são seguradas quando saem da porta do museu. Cada vez que sai está no seguro. Quando recebemos uma obra, do Louvre ou do MoMA, também está no seguro. A questão do seguro é assim.

FOLHA - Algumas pessoas levantaram a hipótese de seqüestro.
NEVES -
Sinceramente, seria leviandade dizer que pode ter sido ou não. Provavelmente, a formulação dessa hipótese é decorrente do fato que essas obras que, embora sejam insubstituíveis, são invendáveis. O mundo inteiro já foi notificado, com fotos dos quadros.

FOLHA - O museu pagaria resgate?
NEVES -
Não temos dinheiro. Estamos estudando até a possibilidade de uma pessoa que está se oferecendo a dar gratificação para as obras voltarem ao museu. Mas jamais faríamos algo contra a lei. Há duas possibilidades: pode ter sido ação de uma quadrilha altamente sofisticada e também pode ser uma coisa de amadores.

FOLHA - A reserva técnica é considerada tão segura quanto um cofre. Por que as obras em exposição não têm o mesmo tratamento?
NEVES -
O prédio é uma obra tombada. Os grandes museus do mundo fizeram suas ampliações, também pelo fato de serem edifícios tombados, no subterrâneo. No subsolo, eu pude fazer fechado, de concreto. No segundo andar, não posso mexer no projeto.

FOLHA - Mas a porta horizontal na escada é fechada só com cadeados...
NEVES -
Sempre foi assim. Há 40 anos que era a mesma coisa. É claro que depois de acontecer uma coisa dessa, vamos rever tudo. Foi uma enorme surpresa e um grande aborrecimento. Nós não queremos culpar ninguém. Não adianta dizer: "O governo não fez isso ou não ajudou". Não estamos fugindo da responsabilidade. Estamos tentando fazer uma agenda positiva. Tomamos todas as providências para que isso [as telas] não saia do país e para que seja encontrado. Em seguida, vamos ver o que pode ser melhorado.

FOLHA - O sr. acredita em envolvimento de funcionários?
NEVES -
Seria uma leviandade minha dizer que tem e seria pretensão, que não tem. Quem tem que descobrir é a polícia.

FOLHA - Como é feita a seleção dos seguranças do museu?
NEVES -
Eles não chegam a 50. Tem processo de triagem. É a mesma coisa que contratar qualquer funcionário: ficha, experiência, currículo. Há um procedimento normal do RH.

FOLHA - E o fato de os funcionários não terem formação em segurança?
NEVES -
Não sei se eles têm ou não têm. Eles têm experiência daquele trabalho que fazem porque são ensinados. Até que provem o contrário, são merecedores da nossa confiança e competentes para o trabalho. Pode ser que lá no meio tenha alguma pessoa [que esteja envolvida]... Isso tudo pode acontecer, mas não estou dizendo que aconteceu.

FOLHA - Há quanto tempo esses seguranças estão no museu?
NEVES -
Não sei.

FOLHA - Eles são contratados como orientadores de público?
NEVES -
São contratados como orientadores de público, no sentido que podem responder perguntas. Eles não estão lá só para ficar de segurança, sem falar com ninguém, como um guarda do palácio da Inglaterra.

FOLHA - Mas qual é função principal deles?
NEVES -
A função deles é fiscalizar tudo aquilo que está acontecendo no andar. São seguranças também...

FOLHA - A função deles então...
NEVES -
A função é clara: tomar conta da segurança.

FOLHA - Por que eles são contratados como orientadores?
NEVES -
As coisas do museu são feitas assim há 20 ou 30 anos, entende? Sempre foi. É um nome. Se alguém se aproxima do quadro ou pega um cigarro, ele tem que orientar o público, dizer: "O sr. não pode passar dessa linha, não pode fumar aqui".

FOLHA - O que será feito na segurança em um primeiro momento?
NEVES -
Não sei. Instalamos essa comissão para fazer todas as recomendações.

FOLHA - O sr. pretende sair no ano que vem do museu?
NEVES -
Tenho maior interesse em sair da presidência, mas não pretendo deixar de colaborar.


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