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CARNAVAL
Para pesquisadores, enredos se tornaram politicamente corretos porque agremiações buscam patrocínio e respeito da elite
Escolas afastam samba da malandragem
ADRIANA CHAVES
DA SUCURSAL DO RIO
Os sambas-enredo das escolas
cariocas abdicaram dos pressupostos da malandragem, aderiram ao politicamente correto e repetem fórmulas de sucesso na
tentativa de ampliar sua aceitação, afirmam pesquisadores ouvidos pela Folha.
O historiador da USP (Universidade São Paulo), José Carlos
Meihy, aponta o risco de transformação dos desfiles das escolas de
samba em "festa cívica".
"É triste porque trocam-se brincadeiras, picardias e malandragens por propagandas patrocinadas por empresas, órgãos governamentais ou consulados", declara Meihy.
De acordo com o o historiador
os atuais sambas-enredo podem
ser enquadrados em três categorias: demonstrativos, trazendo
elementos como fogo, água, energia e natureza; históricos, retratando guerras, batalhas, homenagens, festas e celebrações; e de
campanhas, que abordam questões como a doação de órgãos,
educação no trânsito, combate ao
HIV etc.
Sua crítica recai principalmente
sobre os sambas de campanha e
os excessivamente didáticos (veja
quadro). "Claro que não é errado
defender essas bandeiras. Mas são
temas que fogem do espírito do
Carnaval. Há uma espécie de retomada dos pressupostos da ditadura e as contradições surgem",
disse o historiador.
Monotonia marcheada
Pesquisador de Carnaval, o psiquiatra da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Aloysio
Felix ressaltou que os CDs das escolas vendiam seis vezes mais há
dez anos do que hoje. Segundo
ele, devido à queda de qualidade
das letras e por terem ficado parecidos uns com os outros.
"Querendo animar com refrãos
fáceis, [os sambas] desanimam
pela sua monotonia e marcheamento; querendo descrever a história, a fazem por imagens pobres
com palavras pouco inspiradas.
Há um privilégio do ritmo da bateria em detrimento da boa harmonia do samba, como no funk
introduzido pela Unidos do Viradouro em 1997 para justamente
esconder possíveis erros do samba", afirmou Felix.
O pesquisador diz acreditar que
a oficialização do Carnaval como
festa nacional, nos anos 30, e o
surgimento do carnavalesco na
década de 1960 promoveram uma
espécie de "embranquecimento"
nos sambas. Ele também aponta a
entrada dos patrocínios e a padronização dos desfiles como fatores responsáveis pela "pasteurização" das letras.
"O malandro da comunidade,
que compunha samba de forma
primitiva não pôde mais competir com os chamados condomínios -compositores de classe
média-alta composta de letristas e
músicos que invadem várias escolas simultaneamente, lançam seus
sambas de acordo com a sinopse e
quase invariavelmente ganham a
disputa, que requer dinheiro aplicado", disse Felix.
Retalhos de melodia
Com "raríssimas exceções", os
sambas-enredo tornaram-se "repetitivos e bobinhos" afirma o
sambista e estudioso do tema Nei
Lopes. "São colchas de retalhos,
principalmente de melodia, sempre colagens de motivos já ouvidos", critica.
"Às vezes, a gente se anima com
a empolgação, a interpretação do
cantor, alguma convenção no arranjo, mas quando vai ver direitinho é como um jingle: "grudou no
ouvido" porque remete a trechos
de canções ou fórmulas já utilizadas", afirmou Lopes.
Para a professora de pós-graduação em psicologia da PUC
(Pontifícia Universidade Católica) do Rio Monique Augras, a
"malandragem" nunca teve muito espaço nos sambas-enredo. "A
origem das escolas é reacionária."
"As escolas precisam do reconhecimento institucional, da aceitação da sociedade erudita. Não
têm esse viés crítico, querem aparecer e aparecer bem, ser bacanas.
O discurso do samba-enredo é
para agradar a quem manda, aos
jurados da classe média intelectualizada", disse Augras.
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