São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2000


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INCULTA & BELA

De acentos e vírgulas

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Não estranhe o título, caro leitor. Esse emprego da preposição "de" é muito comum em títulos de textos jurídicos e de ensaios literários ou filosóficos. Significa "a respeito de", "sobre", "acerca de".
Pois bem, na última segunda-feira, em sua coluna na Folha, José Geraldo Couto foi obrigado a fazer uma retificação. Em seu belíssimo texto de sábado passado ("Os poetas e a bola"), Couto citava este trecho de M. Bandeira: "Como é que esses araras não percebem que esses movimentos coletivos hão de por força ter um significado mais profundo...?". A preposição "por" foi trocada pelo verbo "pôr" ("...esses movimentos coletivos hão de pôr força ter um significado...").
Como escreveu Couto em sua retificação, "um acento circunflexo, colocado na edição, deixou sem sentido uma frase de Manuel Bandeira". Na frase, a expressão "por força" equivalia a "forçosamente".
Note que, num primeiro momento, o texto "errado" faz sentido. Entende-se que os movimentos hão de dar, concentrar força. Mas o nexo não dura muito. Acaba assim que surge a forma verbal "ter".
Para quem acha que acentos em português são inúteis, o caso em questão encerra o assunto. Com a devida acentuação, no mínimo não se perde tempo para ler e reler o que parece sem sentido.
E de que acento se trata? De um dos diferenciais de tonicidade. A preposição "por" é monossílabo átono; o verbo "pôr" é monossílabo tônico. Esse acento é excepcional.
O acento em "pôr" não deve deixar ninguém tentado a acentuar "cor", "dor", "for" ou os demais verbos da família de "pôr" (compor, depor, impor, expor, repor e todos os outros, que se escrevem sem acento).
O sistema ortográfico em vigor registra outros diferenciais de tonicidade, muitos deles absolutamente inúteis, como os que se colocam em "pêra", "pólo", "pêlo", "côa" etc.
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que -repito- não está em vigor, suprime os diferenciais inúteis, mas leva de roldão o útil acento na forma verbal "pára". Pense neste título de jornal sem a existência do diferencial: "Passeata para a Paulista". Que tal?
E as vírgulas? Poderiam ter sido usadas por mestre Bandeira para isolar a expressão "por força". Mas isso é outra história, que fica para a próxima semana. Quanto ao caro Couto, espero que nenhum dos misteriosos demônios que frequentam as redações lhe atrapalhe mais os belos escritos. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br


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