|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
INCULTA & BELA
De acentos e vírgulas
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Não estranhe o título, caro
leitor. Esse emprego da preposição "de" é muito comum em
títulos de textos jurídicos e de
ensaios literários ou filosóficos.
Significa "a respeito de", "sobre", "acerca de".
Pois bem, na última segunda-feira, em sua coluna na Folha, José Geraldo Couto foi
obrigado a fazer uma retificação. Em seu belíssimo texto de
sábado passado ("Os poetas e a
bola"), Couto citava este trecho de M. Bandeira: "Como é
que esses araras não percebem
que esses movimentos coletivos
hão de por força ter um significado mais profundo...?". A preposição "por" foi trocada pelo
verbo "pôr" ("...esses movimentos coletivos hão de pôr
força ter um significado...").
Como escreveu Couto em sua
retificação, "um acento circunflexo, colocado na edição, deixou sem sentido uma frase de
Manuel Bandeira". Na frase, a
expressão "por força" equivalia a "forçosamente".
Note que, num primeiro momento, o texto "errado" faz
sentido. Entende-se que os movimentos hão de dar, concentrar força. Mas o nexo não dura muito. Acaba assim que surge a forma verbal "ter".
Para quem acha que acentos
em português são inúteis, o caso em questão encerra o assunto. Com a devida acentuação,
no mínimo não se perde tempo
para ler e reler o que parece
sem sentido.
E de que acento se trata? De
um dos diferenciais de tonicidade. A preposição "por" é monossílabo átono; o verbo "pôr"
é monossílabo tônico. Esse
acento é excepcional.
O acento em "pôr" não deve
deixar ninguém tentado a
acentuar "cor", "dor", "for" ou
os demais verbos da família de
"pôr" (compor, depor, impor,
expor, repor e todos os outros,
que se escrevem sem acento).
O sistema ortográfico em vigor registra outros diferenciais
de tonicidade, muitos deles absolutamente inúteis, como os
que se colocam em "pêra", "pólo", "pêlo", "côa" etc.
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que -repito- não está em vigor, suprime os diferenciais inúteis, mas
leva de roldão o útil acento na
forma verbal "pára". Pense
neste título de jornal sem a
existência do diferencial: "Passeata para a Paulista". Que tal?
E as vírgulas? Poderiam ter
sido usadas por mestre Bandeira para isolar a expressão "por
força". Mas isso é outra história, que fica para a próxima semana. Quanto ao caro Couto,
espero que nenhum dos misteriosos demônios que frequentam as redações lhe atrapalhe
mais os belos escritos. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
Texto Anterior: Maior programa social de Garotinho está com o PPB Próximo Texto: Crime: Suspeitos da morte de camelô são presos Índice
|