São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

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MOACYR SCLIAR

O sexo e a pulseira eletrônica

Disse que a pulseira na verdade era uma algema, que a mulher queria controlá-lo, queria prendê-lo

 


Reino Unido quer controlar idosos com pulseiras eletrônicas. O ministro britânico da Ciência, Malcolm Wicks, quer obrigar todos os idosos do Reino Unido a usarem uma pulseira magnética para localizá-los a qualquer hora. De acordo com o ministro, uma nova tecnologia via satélite permite que as famílias saibam onde seus parentes estão. Em uma entrevista ao jornal inglês "Daily Mirror", Wicks afirmou que a iniciativa foi lançada como conseqüência das preocupações de muitos britânicos sobre o paradeiro dos idosos e sobre sua segurança.
Folha Online

D EPOIS DE muitas discussões, o uso da pulseira eletrônica como localizador de pessoas idosas foi afinal instituído por lei. Não se tratava de medida impositiva: os idosos poderiam tomar uma decisão a respeito, depois de consultar seus familiares e seus médicos. Ao final de alguns meses, a maioria optou pela pulseira. Às vezes em meio a discussões e controvérsias. Foi o caso de um casal que já tinha celebrado o qüinquagésimo aniversário de matrimônio. Celebrado é modo de dizer, porque, na verdade não viviam muito bem. Sobretudo por causa do homem, que tinha um gênio muito difícil, e que se queixava amargamente da mulher. Não foi diferente quando ela propôs que ambos adotassem a pulseira eletrônica. Ele, particularmente, precisava desse dispositivo porque não raro ficava desorientado; mas, justamente porque a proposta partia da esposa, ele de início a recusou. Disse que a pulseira na verdade era uma algema, que a mulher queria controlá-lo, queria prendê-lo. Essa era apenas uma das queixas que tinha em relação à esposa. Temperamento fogoso, sentia-se em condições de praticar sexo quase da mesma forma com que o fizera na juventude. Ela, porém, não partilhava desse ardor. Daí as brigas. Curiosamente, a pulseira proporcionou uma solução para o problema. Finalmente ele concordou em usá-la e aí, a partir de um sistema de satélite, a esposa passou a rastreá-lo. O que era necessário, porque ele saía todos os dias e às vezes só voltava à noite. Agora, ela podia saber exatamente onde o esposo se encontrava. E isto resultou num choque. Ele freqüentava lugares, para ela, francamente misteriosos. De posse dos endereços, tratou de descobrir que lugares eram aqueles. Uma agência de detetives forneceu-lhe os dados. Chocantes: eram bordéis. A cada dia ele ia a um bordel diferente. E agora? O que fazer? Pensando sobre o assunto, ela acabou concluindo que, afinal, era em grande parte responsável pelo que estava acontecendo. Se tratasse o marido melhor, caso se aproximasse dele como a mulher sedutora que um dia fora, ele talvez não precisasse ir a bordéis. A partir de então, ela mudou. De alguma maneira, recuperou sua feminilidade. E hoje vivem felizes, na cama e fora dela. E o monitoramento da pulseira mostra que ele só freqüenta lugares inocentes: cafés, centros culturais. O que ela não sabe é que, na verdade, ele nunca foi a bordéis. Pagava a um antigo empregado para fazê-lo. E com isso, conseguira criar a imagem de um campeão do sexo. Pulseiras eletrônicas não são estimulantes sexuais. Mas, com um pouco de imaginação, podem perfeitamente cumprir essa função.


MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha de São Paulo.


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