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MOACYR SCLIAR
Os dilemas do esquecimento
O procedimento foi rápido. O pesquisador pediu que ele evocasse a recordação dolorosa e apertou um botão
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Cérebro humano apaga lembranças com
carga emocional, diz estudo. Duas áreas
da parte pré-frontal do cérebro humano
servem para apagar as lembranças tanto
em seu aspecto sensorial como emocional, segundo um estudo publicado pela
revista "Science".
Brendan Depue, do Departamento de
Psicologia da Universidade do Colorado,
em Boulder, e seus colegas usaram imagens funcionais de ressonância magnética para examinar as regiões que sustentam o processamento da memória no cérebro. Verificaram que lembranças podem ser suprimidas. A pesquisa amplia o conhecimento e a compreensão dos mecanismos cerebrais envolvidos no controle da memória e do pensamento. Ciência
POUCO DEPOIS de ter sido divulgada a notícia sobre a possibilidade de suprimir lembranças penosas, um discreto anúncio foi
divulgado num jornal da cidade: um
instituto de pesquisas estava em
busca de voluntários que quisessem
fazer exatamente aquilo que fora
noticiado: apagar, da memória, lembranças penosas. Procedimento indolor, seguro, eficaz.
Aquilo mexeu com ele. Porque havia, sim, algo que queria apagar de
sua memória, um doloroso trauma.
Uma recordação penosa e que não o
deixava em paz. Por que, então, não
recorrer à ciência? Se se tratasse de
uma dor no ombro, ou no joelho, ele
não hesitaria em procurar o médico;
nada indicava que não devesse fazer
o mesmo com o sofrimento emocional. Claro, bem que ele preferia enfrentar, de cabeça erguida, o infortúnio pelo qual passara, sem demonstrações de fraqueza; como dizia seu
pai, homem não chora, e ele tinha
orgulho de sua hombridade. Mas a
dor foi mais forte e no dia seguinte lá
estava ele, no instituto de pesquisas.
Foi encaminhado a um jovem pesquisador, que o recebeu com um
sorriso afável e indagou se estava
pronto a se submeter à experiência.
Com uma condição: queria absoluto
sigilo. O pesquisador tranqüilizou-o:
só nós dois saberemos do que se passou aqui, disse. E eu sou absolutamente confiável, acrescentou, com
um sorriso.
O procedimento foi rápido. Um
aparelho foi colocado sobre seu crânio, o pesquisador pediu que ele
evocasse a recordação dolorosa e aí
apertou um botão. Ouviu-se um
zumbido e, no instante seguinte, ele
já não lembrava mais nada daquilo
que lhe causara tanto sofrimento.
De que se tratara, mesmo? De uma
mulher que o rejeitara? Aparentemente sim, mas que mulher? Como
se chamava, onde vivia?
Ainda espantado, despediu-se do
pesquisador e foi para casa. Achou
que sua vida se transformaria, que
poderia se divertir, conhecer mulheres. Realmente isso aconteceu, mas
mesmo assim a inquietude persistia.
Por fim deu-se conta: o que agora o
incomodava era o fato de ele ter esquecido. Queria lembrar o tal incidente, por mais deprimente que fosse. Voltaria a sofrer, talvez, mas isso
não lhe importava: era a verdade que
ele buscava, a amarga verdade. E só
uma pessoa podia lhe dizer o que,
afinal, ele tinha olvidado: o pesquisador. Foi ao instituto, falou com a
secretária. Ela arregalou os olhos:
- Mas então você não sabe? O doutor morreu num acidente!
Sem uma palavra, ele voltou para
casa. Com a certeza de que existe um
lugar onde se concentram aquelas
coisas que queremos, que precisamos, esquecer. Só que ele não sabe
onde fica esse lugar. Sua esperança é
de que o Destino um dia o faça encontrar-se com o seu passado. E que
ele possa descobrir, nesse passado, a
sua verdade.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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