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José, 54, fica dois anos preso por engano
Sem documentos, perdidos em enchente, catador de papelão foi confundido com outro José, que é branco e 14 anos mais jovem
Com identidade trocada,
"herdou" crime de tentativa
de homicídio; vítima não
reconheceu foto dele como
sendo o criminoso
ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de dois anos e seis
meses, o catador de papelão José Machado Sobral, 54, negro,
conseguiu na última sexta-feira
voltar para casa para comer a
refeição que a mulher preparava quando ele saiu pela última
vez: um prato de canjica.
Nesse intervalo, José esteve
preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) em Guarulhos (Grande SP), acusado de
um crime que não cometeu,
praticado por outro José, este
Manuel de Sobral, branco, 14
anos mais novo.
O infortúnio de José Machado ocorreu no momento que
ele dizia ser o melhor da sua vida. Em 10 de março de 2005, o
catador completava um mês de
namoro com a doméstica Neuza Alice de Jesus Dias, 54, e,
com a ajuda dela, experimentava a sensação inédita de ter um
carro -pago com R$ 1.500,
uma TV e "um som". "Ele estava batido, mas eu arrumei inteirinho. Coloquei uns bancos,
pintei. Ficou lindo."
Naquele dia, relata, planejava
ir a Pernambuco, sua terra natal, que deixou em 1992, para
renovar documentos, depois de
perder originais numa enchente. Diz que se esqueceu da falta
de habilitação. A polícia o lembrou ao flagrá-lo ao volante.
Conta que, levado à delegacia, descobriu que o veículo era
roubado. Tornou-se suspeito
de receptação. Descobriu também que a polícia erra: o delegado Aquiles Martins deu-lhe o
nome do outro José, procurado
em Pernambuco por crime de
1998 -tentativa de homicídio.
"O indiciado se identificou
como José Machado Sobral e
afirma categoricamente não
ser a pessoa de José Manuel de
Sobral", disse o delegado no relato da prisão em flagrante.
Confinado na prisão, seu caso passou aos cuidados do juiz
Rodrigo Capez, que tentou, por
um ano, descobrir sua identidade real. As digitais de José estavam perdidas entre 300 mil fichas de papel nos arquivos do
Estado de Pernambuco.
Em março de 2006, o juiz
mandou libertá-lo. Mas faltava
o alvará de soltura da Justiça
pernambucana para a acusação
de tentativa de homicídio. José
ficou, então, esquecido numa
cela com mais 20 homens.
Só no último dia 6 uma foto
foi mostrada a uma vítima do
outro José. "O acusado é bem
mais novo", disse ela no reconhecimento assinado pelo juiz
Leonardo Asfora, de PE.
A dúvida estava desfeita, mas
não o imbróglio jurídico. Capez
não podia libertar o catador
porque não atua no caso do
atentado. Asfora também não,
porque não mandou prendê-lo.
José Machado deixou a cadeia dois dias depois de o defensor Bruno Lopes de Oliveira
apresentar novo pedido (um já
havia sido negado) à juíza Ana
Lucia Fernandes Queiroga.
"Ponha incontinenti em liberdade, se por al [alguma coisa]
não estiver preso, José Machado Sobral [...] qualificado, aparentemente por equívoco, como sendo José Manuel de Sobral", escreveu a juíza.
A mulher de José estava à sua
espera na saída do CDP. Ele
chorou quando a viu. "Vou poder comer a canjica que ela estava fazendo." Agora, José diz
que buscará documentos para
provar que é ele mesmo.
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