São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Há sinais do terremoto

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Juízes gaúchos, em pronunciamento público, estão a dizer que o Supremo Tribunal Federal (STF), hoje presidido pelo gaúcho Nelson Jobim, é submisso ao Executivo. A secção paulista da OAB, em documento preparado por cinco de suas comissões, fez avaliação crítica da advocacia, mas também assinalou pontos nos quais vê sérias deficiências do Judiciário: falta de aparelhamento, congestionamento provocado principalmente pelo poder público (sem resistência da magistratura), aumento das custas, o que impede o acesso à Justiça, bem como espírito clerical e hermético, fugindo da transparência. A exceção detectada pela OAB está no Superior Tribunal de Justiça. Neste, o presidente Edson Vidigal está atento à funcionalidade e à eficácia, além de manter abertos os canais de comunicação com a sociedade.
A OAB vê problemas mais sérios em São Paulo, a contar do não-controle da produtividade dos juízes, com punições raras. Diz a entidade dos advogados ser "cada vez maior o número de juízes embevecidos com o poder, que se tornam autoritários, quase déspotas, tratando mal as partes e advogados sob a tolerância das corregedorias e superiores". São palavras do texto: arbitrariedades comuns; clientelismo dentro do Judiciário, trazendo nódoas à necessária independência do magistrado de instância inferior; o poder público como principal responsável pela repetição de causas -freqüentemente, porém, são os advogados os acusados de sobrecarregar o Judiciário com supostos recursos protelatórios.
Exemplo gritante da parceria entre o Judiciário e o Executivo é apontado pela OAB-SP quando refere o descumprimento de ordens judiciais de pagamento, os célebres precatórios com os quais o poder público passa o calote nos seus credores, ao mesmo tempo em que cobra agressivamente seus devedores, mostrando que, nessas alternativas, há grave falta de ética. A entidade também critica o Supremo Tribunal Federal por ter adotado a tese de que esse fato, por si só, não importa em descumprimento de ordem judicial.
Conclui a OAB: no mundo real, onde vivem os seres humanos, instalou-se o calote institucional. Informa dados do Estado de São Paulo: US$ 2 bilhões em precatórios alimentares não-pagos e US$ 4 bilhões parcelados para pagamento em dez anos, mas, ainda assim, descumprido. A OAB federal ingressou com ação declaratória de inconstitucionalidade contra o novo parcelamento, pois o anterior, em oito anos, sob a desculpa de resolver dificuldades financeiras do poder público, só aumentou o endividamento. A última tentativa de diagnóstico dessa situação foi feita quando era presidente do STF o ministro Marco Aurélio.
Até o momento em que este comentário é escrito, nenhuma reação foi lida ou ouvida a respeito das críticas dos juízes gaúchos e dos advogados paulistas. Essas reações sugerem, aos poucos, aqueles ruídos vindos do fundo da terra antes do terremoto. Transparecem, embora com discrição, posições diversas entre os Tribunais de Alçada de São Paulo e os rumos adotados pelo Tribunal de Justiça, antes e depois da greve dos servidores. Se for verdade, como diziam os antigos, que pelo dedo mínimo se conhece o gigante, talvez se possa dizer que a ameaça do terremoto está mais próxima de acontecer. É o momento apropriado para, com mais força, enfrentar a realidade, pois a preservação do prestígio efetivo do Judiciário é fundamental para o direito e para a paz social.


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