São Paulo, sexta-feira, 23 de outubro de 2009

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BARBARA GANCIA

Rio, eu não desisto de você!


Visitei Israel a turismo quando o país estava em guerra contra o Líbano, em 1993, e nunca vi tanta festa

"CRISTO REDENTOR , braços abertos sobre a Guanabara..." Adeus, monóxido de carbono! Tchau e benção, mau humor paulistano! Delícia das delícias, estou indo passar um fim de semana de prazer e mansidão no Rio.
Vou apurar o olhar na natureza, deixar o tempo passar estatelada na areia da praia, entreter a cabeça com amigos bem mais inteligentes do que eu, que me levarão a lugares em que nunca estive... Ô, vida boa! Mas peraí. Há uma guerra em curso para atrapalhar os meus planos.
Já dizia o Escadinha que a atual geração de traficantes ia ser muito pior do que a dele. Juntar droga consumida em grandes quantidades com armamento pesado e falta de princípios não poderia dar em boa coisa, não é mesmo? Escadinha, morto em 2004, era um traficante de uma época mais profissional, em que prostitutas não tinham orgasmos, cafetões não se apaixonavam e traficantes não cheiravam cocaína nem fumavam crack.
Hoje é outro mundo. Um helicóptero da PM foi derrubado na nossa fuça, como se não estivéssemos todos assistindo do alambrado à guerra particular dos traficantes, por um tipo de armamento que dificilmente terá entrado no país dentro de uma mala de viagem.
E corpos amanhecem jogados no canto da rua ou, para facilitar, em carrinhos de supermercado com um cinismo que já escancarou qualquer fronteira da devassidão. A naturalidade da "limpeza" é de deixar estomagado, mas vamos assimilando. A situação se degrada mais um pouco e, de novo, nos ajustamos. Somos da tribo tapuia, é o nosso jeitinho.
E, nisso tudo, eu vou ao Rio de Janeiro curtir os amigos, matar saudades da paisagem, passear na Farme de Amoedo, bater pique no Copacabana Palace e fazer todas aquelas coisas que a gente gosta de fazer quando quer se dar ao luxo.
Neste ano, estive em Buenos Aires no auge da epidemia de gripe suína e, não contente, no início de novembro ainda vou a Nova York, onde certamente terei de enfrentar a mesma paranoia das máscaras cirúrgicas e do álcool gel que testemunhei na Argentina. Talvez multiplicada por dez, considerando a maluquice dos americanos.
Mas o ser humano é mesmo essa besta quadrada. Durante os anos da Guerra do Líbano, muitos amigos libaneses iam e vinham de Beirute com relatos de que a vida noturna de lá era a melhor do planeta. E eu, que na época prezava muito o fuso horário dos guardas noturnos, morria de inveja deles.
Visitei Israel a turismo quando o país estava em guerra contra o Líbano, em 1993, e nunca vi tanta festa e tanta gente se divertindo. Lembro daquela comédia inglesa "A Private Function" (sem tradução para o português), com Michael Palin e Maggie Smith, ambientada nos anos que sucedem a Segunda Guerra. A certa altura, a personagem de Smith desabafa: "Ah, que saudades da guerra!" Claro, devia ser menos modorrenta do que os anos de penúria que vieram depois.
Além de perigoso, viver é uma atividade desastrada. Se você for ficar pensando muito no assunto, vai encontrar um zilhão de motivos para não sair de casa. Por isso mesmo, por mais macabra que seja a situação nos morros cariocas... Fui!

barbara@uol.com.br

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