São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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Mercado atrai nova geração de cineastas

Com atividade em expansão, jovens na faixa dos 20 anos estréiam no cinema embalados por prêmios e exemplos de sucesso

Viver de cinema, porém, é projeto de longo prazo; com cem filmes por ano, mercado no país ainda "engatinha" se comparado ao de Hollywood

ROBERTO DE OLIVEIRA
MARIANNE MORISAWA

DA REVISTA DA FOLHA

Cena 1. Na Vila Mariana, sábado é dia de filme para uma família de 12 descendentes de italianos.
Cena 2. O VHS começa a rodar "Ladrões de Bicicleta", de Vittorio De Sica.
Cena 3. Sem desgrudar os olhinhos da tela, um garoto de cinco anos matuta. Corta.
Dezenove anos mais tarde, o menininho é o rapaz Gregório Graziosi. Continua espectador de filmes, só que agora põe a mão na massa. Aos 24 anos, já fez três curtas. O primeiro deles, "Saba", participou de Cannes no ano passado, após correr festivais mundo afora.
Estudante do último ano de cinema na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), Graziosi trabalha desde o semestre passado numa produtora, a CinemaLink Filmes. A empresa, recém-inaugurada, tem como plataforma o cinema digital. Ele integra uma nova geração que começa a se profissionalizar em um mercado em expansão, embalado pelo reconhecimento internacional de produções brasileiras recentes.
Da era pós-Collor com o fim da Embrafilme, em que o cinema nacional deixou de existir, para hoje, a diferença é brutal. São cerca de cem filmes produzidos por ano, o que implicou a profissionalização da atividade. Produtoras como a O2, a Gullane Filmes, a Dezenove, a Conspiração e a Videofilmes tornaram-se grifes que chancelam a qualidade dos projetos.
O sucesso de longas-metragens como "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, e de "Tropa de Elite", de José Padilha, premiado com o Urso de Ouro do Festival de Berlim, impulsiona a procura por carreiras relacionadas ao cinema. Na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, o curso superior de audiovisual foi a quarta carreira com maior relação candidato-vaga em 2007: 40,09.
Novos cursos foram criados, como o da Universidade Anhembi Morumbi, que forma sua primeira turma em dezembro deste ano. E pipocam cursos técnicos e de pequena duração voltados para áreas, como direção de arte e produção.

Tapa na telona
Não dá para falar dessa garotada sem associá-la à internet. A web é instrumento para baixar filmes, mas também para divulgá-los, contatar outros jovens cineastas aqui e lá fora, acessar blogs, pesquisar e participar de fóruns sobre cinema.
Exemplo de como a rede de computadores é uma poderosa aliada é o sucesso do cineasta Esmir Filho, 25. Dois anos atrás, ele ganhou popularidade após colocar no YouTube o vídeo ""Tapa na Pantera". A obra cult foi responsável pela redescoberta da veterana Maria Alice Vergueiro. No vídeo, a atriz, 72, aparece explicando por que fuma maconha diariamente.
Formado em 2004, Esmir anda empolgado. Começa a rodar seu primeiro longa em junho: "Os Famosos e os Duendes da Morte". Foi o único filme da América Latina selecionado entre 25 projetos pelo Berlinale Co-Production Market (Festival de Berlim 2008), que procura parceiros e investidores europeus e acompanha todo o processo da produção.
Sara Silveira, 57, produtora, desde 1983 no mercado cinematográfico, enxerga uma explosão de novos talentos no cinema brasileiro. Segundo ela, o número de cineastas atrás de realizar o primeiro filme aumentou 70% nos últimos cinco anos. O perfil também mudou bastante. No início dos anos 00, a faixa etária dos diretores, que estreavam em longa-metragem, variava de 35 aos 40 anos, diz Sara. Hoje, quem está por trás das câmeras tem 25 anos. "Os jovens exibem mais disciplina que os cineastas consagrados", compara.

Cartão de visita
O caminho das pedras rumo ao longa-metragem segue um modelo semelhante ao da Fórmula 1. Nela, os pilotos dão as primeiras aceleradas no kart. No cinema brasileiro, esse veículo é o curta. Como ocorre muitas vezes nas pistas de corrida, a trajetória no cinema é quase sempre bancada pelos pais. Filho do cartunista Paulo Caruso, Paulinho, 24, concluiu o curso de cinema no ano passado. Ele faz o balanço: "De 2002 a 2005, paguei para trabalhar. Em 2006, fiquei no empate. Só em 2007 os investimentos começaram a dar retorno".
No ano passado, Paulinho voltou de Gramado (RS) com três Kikitos nas mãos: melhor filme curta-metragem, melhor roteiro e melhor montagem por "Alphaville 2007 d.C.". O curta, selecionado para o festival deste ano de Tampere, na Finlândia, teve um orçamento de R$ 15 mil, 80% do valor bancado pela Faap, onde Paulinho estudava.
Eliseu Lopes Filho, 49, vice-coordenador do curso de cinema da faculdade, diz que a Faap disponibiliza equipamentos, filmes e infra-estrutura para os alunos realizarem seus curtas curriculares e de conclusão.
Viver de cinema é um projeto de longo prazo, em um mercado que engatinha, quando comparado a Hollywood. O diretor de arte Cássio Amarante dá bem a idéia do que espera os futuros colegas: "As condições de trabalho não são boas. Há um arrocho enorme. Não tem plano de saúde nem aposentadoria". São as dores e as delícias do nascimento da indústria do cinema nacional. Que a estréia seja breve.


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