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Mercado atrai nova geração de cineastas
Com atividade em expansão, jovens na faixa dos 20 anos estréiam no cinema embalados por prêmios e exemplos de sucesso
Viver de cinema, porém, é projeto de longo prazo; com cem filmes por ano, mercado no país ainda "engatinha" se comparado ao de Hollywood
ROBERTO DE OLIVEIRA
MARIANNE MORISAWA
DA REVISTA DA FOLHA
Cena 1. Na Vila Mariana, sábado é dia de filme para uma família de 12 descendentes de italianos.
Cena 2. O VHS começa a rodar "Ladrões de Bicicleta", de
Vittorio De Sica.
Cena 3. Sem desgrudar os
olhinhos da tela, um garoto de
cinco anos matuta. Corta.
Dezenove anos mais tarde, o
menininho é o rapaz Gregório
Graziosi. Continua espectador
de filmes, só que agora põe a
mão na massa. Aos 24 anos, já
fez três curtas. O primeiro deles, "Saba", participou de Cannes no ano passado, após correr
festivais mundo afora.
Estudante do último ano de
cinema na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), Graziosi trabalha desde o semestre
passado numa produtora, a CinemaLink Filmes. A empresa,
recém-inaugurada, tem como
plataforma o cinema digital.
Ele integra uma nova geração
que começa a se profissionalizar em um mercado em expansão, embalado pelo reconhecimento internacional de produções brasileiras recentes.
Da era pós-Collor com o fim
da Embrafilme, em que o cinema nacional deixou de existir,
para hoje, a diferença é brutal.
São cerca de cem filmes produzidos por ano, o que implicou a
profissionalização da atividade.
Produtoras como a O2, a Gullane Filmes, a Dezenove, a Conspiração e a Videofilmes tornaram-se grifes que chancelam a
qualidade dos projetos.
O sucesso de longas-metragens como "Cidade de Deus",
de Fernando Meirelles, e de
"Tropa de Elite", de José Padilha, premiado com o Urso de
Ouro do Festival de Berlim, impulsiona a procura por carreiras relacionadas ao cinema. Na
Escola de Comunicação e Artes
(ECA) da USP, o curso superior
de audiovisual foi a quarta carreira com maior relação candidato-vaga em 2007: 40,09.
Novos cursos foram criados,
como o da Universidade
Anhembi Morumbi, que forma
sua primeira turma em dezembro deste ano. E pipocam cursos técnicos e de pequena duração voltados para áreas, como
direção de arte e produção.
Tapa na telona
Não dá para falar dessa garotada sem associá-la à internet.
A web é instrumento para baixar filmes, mas também para
divulgá-los, contatar outros jovens cineastas aqui e lá fora,
acessar blogs, pesquisar e participar de fóruns sobre cinema.
Exemplo de como a rede de
computadores é uma poderosa
aliada é o sucesso do cineasta
Esmir Filho, 25. Dois anos
atrás, ele ganhou popularidade
após colocar no YouTube o vídeo ""Tapa na Pantera". A obra
cult foi responsável pela redescoberta da veterana Maria Alice Vergueiro. No vídeo, a atriz,
72, aparece explicando por que
fuma maconha diariamente.
Formado em 2004, Esmir
anda empolgado. Começa a rodar seu primeiro longa em junho: "Os Famosos e os Duendes da Morte". Foi o único filme da América Latina selecionado entre 25 projetos pelo
Berlinale Co-Production Market (Festival de Berlim 2008),
que procura parceiros e investidores europeus e acompanha
todo o processo da produção.
Sara Silveira, 57, produtora,
desde 1983 no mercado cinematográfico, enxerga uma explosão de novos talentos no cinema brasileiro. Segundo ela, o
número de cineastas atrás de
realizar o primeiro filme aumentou 70% nos últimos cinco
anos. O perfil também mudou
bastante. No início dos anos 00,
a faixa etária dos diretores, que
estreavam em longa-metragem, variava de 35 aos 40 anos,
diz Sara. Hoje, quem está por
trás das câmeras tem 25 anos.
"Os jovens exibem mais disciplina que os cineastas consagrados", compara.
Cartão de visita
O caminho das pedras rumo
ao longa-metragem segue um
modelo semelhante ao da Fórmula 1. Nela, os pilotos dão as
primeiras aceleradas no kart.
No cinema brasileiro, esse veículo é o curta. Como ocorre
muitas vezes nas pistas de corrida, a trajetória no cinema é
quase sempre bancada pelos
pais. Filho do cartunista Paulo
Caruso, Paulinho, 24, concluiu
o curso de cinema no ano passado. Ele faz o balanço: "De
2002 a 2005, paguei para trabalhar. Em 2006, fiquei no empate. Só em 2007 os investimentos começaram a dar retorno".
No ano passado, Paulinho
voltou de Gramado (RS) com
três Kikitos nas mãos: melhor
filme curta-metragem, melhor
roteiro e melhor montagem
por "Alphaville 2007 d.C.". O
curta, selecionado para o festival deste ano de Tampere, na
Finlândia, teve um orçamento
de R$ 15 mil, 80% do valor bancado pela Faap, onde Paulinho
estudava.
Eliseu Lopes Filho, 49, vice-coordenador do curso de cinema da faculdade, diz que a Faap
disponibiliza equipamentos,
filmes e infra-estrutura para os
alunos realizarem seus curtas
curriculares e de conclusão.
Viver de cinema é um projeto
de longo prazo, em um mercado que engatinha, quando comparado a Hollywood. O diretor
de arte Cássio Amarante dá
bem a idéia do que espera os futuros colegas: "As condições de
trabalho não são boas. Há um
arrocho enorme. Não tem plano de saúde nem aposentadoria". São as dores e as delícias
do nascimento da indústria do
cinema nacional. Que a estréia
seja breve.
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