São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

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CECILIA GIANNETTI

Só a diretoria


Quero integrar a diretoria de uma escola de samba bem grande. Posso começar por baixo, não me importo


FINALMENTE descobri o que eu quero fazer da vida. O chamado veio tarde, e recomeçar exigirá a conquista de credibilidade no pedaço, da confiança dos novos colegas. Desculpa, Brasil, desculpa, Bial... mas quero integrar a diretoria de alguma escola de samba bem grande. Preferencialmente uma que receba patrocínio gringo e promova maior integração carnal-financeira entre a exótica cultura brasileira e estrangeiros que ainda não seguram muito a verba por causa de medinho de crise. ("Crise is for 'sissies'").
Por mim, está valendo até diretoria de ala; posso começar por baixo, não me importo. Seu Carnaval é bem diferente do que é vivido pela imprensa, nos camarotes que se tornam Redações improvisadas durante os desfiles. Um carnaval de Red Label à mesa, no Café de La Tour (quem passa por lá nota que o afrancesamento da praça de alimentação do sambódromo acompanhou a hibridização cultural da Grande Rio neste ano). A gente mais bonita e com menos roupa que se possa imaginar, a rodeá-los, maiorais num carnaval notório por suas belezas naturais e siliconadas.
Eles, de Abercrombie & Fitch, Lacoste, Hilfiger; elas, em trajes micro (a nanotecnologia a serviço do samba) e seios macro. Imagino que a luta ao longo do ano, pra pôr todo aquele brilho na passarela, seja dureza. Mas todo o esforço reverte-se em fevereiro numa chuva de confetes de Swarovski, quando a coroa se encaixa em cada cabeça real depois do desfile de sua escola. Quando se desmantelam as vestes de isopor e purpurina da plebe. Passo por algumas delas, enfiadas em caixotões da Comlurb lá atrás, na dispersão -como achar um brinquedo quebrado ou um bicho morto numa lixeira. Tenho o ímpeto involuntário de me levantar e fazer alguma espécie de reverência quando adentra o de La Tour um desses sultões elegantes que dispensam roupas de marcas estrangeiras ostensivas, preferem vestir o tradicional branco da cabeça aos pés, largas correntes douradas no pescoço, além do indispensável chapéu; um estilo quase Gay Talese ("minus" a correntona de ouro), tivesse este nascido com ritmo no pé, em vez da capacidade de batucar magnificamente em teclados de máquinas de escrever ou laptops.
Na calçada espremida entre a grade que separa a passarela e os camarotes, gente se aglomera para se aproximar do mosaico de penas coladas, plumas, paetês, alumínio, luzes, corpos malhados ou em péssimo estado de conservação, misturados todos, tão perto que praticamente são esfregados na cara de quem está ali mesmo para a experiência radical em 3D, que o povo nos camarotes maiores e badalados não vê assim tão de pertinho.
Na cara de quem desfila, sorrisos beatíficos, vontade exibicionista e/ ou alegria pura, taras e fetiches meio que resolvidos publicamente quando calha de a pouca roupa da fantasia corresponder a algo que já tivessem soterrado num enredinho inconsciente -seminus na frente da multidão que quase pode tocá-los, tão próxima está deles, das câmeras que os levam, seminus, sim, a outras multidões deste e de outros países.
Seminus aos pulos, todos, bons rebolados e passistas que acabaram de desembarcar de Bonn, passagem comprada para a avenida em euros. Os clichês mais difíceis de serem quebrados. As mulheres mais bonitas do mundo. Sorrindo. Pra plebe.


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