São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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DEPOIMENTOS

Nanette Konig, 81, holandesa

Aos 15 anos, fui levada ao campo de Bergen-Belsen. Lá encontrei Anne Frank, que havia sido minha colega numa escola judaica em Amsterdam. Foi um encontro horroroso. Ela tinha a roupa puída, estava embrulhada num cobertor e tremia de frio.
Uma vez, na fila para pegar água, um alemão me pegou e apontou sua arma para mim. Isso era muito comum. Por causa da fome, estava apática e não esbocei a menor reação. Acho que isso lhe tirou o prazer, e ele acabou atirando para o ar.
Eu não tinha carne, era puro osso. Se você me perguntar como sobrevivi, não vou saber responder.
Depois que fui libertada, levei um ano para conseguir recuperar a digestão. Tive tifo e entrei em coma.
Vejo pessoas que cometem crimes dizendo que viraram esse tipo de gente porque tiveram uma vida dura. Isso não é desculpa. Veja a minha vida, veja a dos outros sobreviventes. Ninguém é assim.

Ben Abraham, 85, polonês

Em 1942, ficamos oito dias sem comer porque os alemães exigiram certo número de pessoas para serem enviadas para as câmaras de gás.
Como ninguém se apresentou, eles cercaram o gueto [judeu] e não nos deram alimento. Meu pai morreu de fome. E eu presenciei.
Minha mãe e eu fomos enviados para Auschwitz. Depois soube que ela foi retida por Mengele [Joseph Mengele, cientista nazista do campo de concentração de Auschwitz] e mandada para a câmara de gás.
Lá passei privações, chicotadas e torturas. Vi pessoas sendo mortas e a fumaça negra dos crematórios. Senti o cheiro de carne humana queimada. É um cheiro que não se esquece.
De Auschwitz fui levado para trabalhar como escravo numa fábrica de caminhões. Fui libertado pelas forças aliadas na virada do dia 1º para o dia 2 de maio de 1945. Precisei ir para o hospital porque sofria de tuberculose, escorbuto e disenteria.
Eu tinha 20 anos e pesava 28 quilos.

Rita Braun, 80, polonesa

A vida no gueto [judeu] era terrível. Era um bairro paupérrimo, cheio de ratos e fechado com cerca elétrica. Minha mãe e meu padrasto trabalhavam fora, mas não podiam trazer comida.
Os cães eram treinados para matar quem tentasse entrar com pão escondido. Eu vasculhava o lixo dos alemães, aproveitava os ossos que eles jogavam para os cães e cozinhava grama. É terrível passar fome.
Ouvia tiros de fuzilamento e via carrinhos de pedreiro sendo levados cheios de judeus mortos.
Quando a guerra acabou e os russos entraram na Polônia, os poloneses foram para as ruas comemorar. Nós [judeus] não, porque havíamos perdido familiares e amigos. Não tínhamos mais nada.
Até hoje tenho marcas daquela época. Não admito que joguem comida fora. Se vejo um pastor alemão, atravesso a rua na hora. Prefiro morrer embaixo de um carro.
Sou pontual, porque naquela época, se dava a hora e a pessoa não havia chegado, era porque ela havia sido morta.


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