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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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GILBERTO DIMENSTEIN

Gravidez também é epidemia

Impotentes e atônitos, especialistas em saúde pública têm detectado e alertado sobre o aumento do número de adolescentes brasileiras. Alguns deles já classificam a gravidez nessa idade de epidemia -ou seja, uma doença.
Dos partos realizados atualmente na rede pública, cerca 25% são de adolescentes; em 1990, essa proporção era de 10%. A tradução: todos os anos o Brasil ganha mais um milhão de mães precoces, fragilizadas na escola e no mercado de trabalho.
Pesquisas revelam que os jovens têm informação sobre os métodos contraceptivos e conhecem os riscos da gravidez e de contrair doenças. Uma imensa maioria prefere arriscar e não usa camisinha.
O problema é alarmante, está fora da agenda social e as ações para prevenção são ainda, na melhor das hipóteses, tímidas.
Por causa dessas informações que você acabou de ler, considero que o primeiro projeto inovador do Governo Lula foi lançado na semana passada: a distribuição de camisinhas nas escolas acompanhada de um programa de educação sexual.
Na área econômica, Lula tem repetido as diretrizes de seu antecessor, e, na área social, suposta especialidade do Partido dos Trabalhador, nada apresentou que fugisse da mesmice. Pior: no caso do Fome Zero, retrocedeu; a ofensiva contra a desnutrição está marcada pelo viés mercadológico e assistencialista.
Falta ainda uma política coerente e abrangente para a juventude envolvendo diversos ministérios. O programa de primeiro emprego é, até aqui, uma simples intenção, as idéias contra a violência estão apenas no papel, não se vêem os recursos para a melhoria de ensino. Sintomaticamente, a palavra educação não apareceu uma única vez (quem quiser, confira), na longa entrevista que Lula deu para a revista "Veja".
Nessa pasmaceira, distribuir camisinhas nas escolas é a primeira alternativa criativa e corajosa desse governo para enfrentar uma mazela social.
Gravidez precoce significa riscos de saúde; é uma das razões, entre outras, porque o Brasil é o campeão mundial de mortalidade maternidade. Não é o pior problema: significa também mais um obstáculo para o progresso escolar e profissional de jovens, aumentando a miséria.
Com base em dados do IBGE, um estudo concluído na semana passada mostrou 3,7 milhões de jovens estão sem emprego, quase metade do total de desempregados brasileiros. O dado mais grave é o seguinte: 4,5 milhões de jovens não trabalham, não estudam nem procuram emprego, vivendo em inatividade. Não fazem parte nem sequer do índice de desemprego, é gente que já desistiu de tudo.
Tal desalento é alimentado pelo baixo crescimento econômico, é óbvio. Mas também pela gravidez precoce; basta ir a uma favela ou nos bairros mais pobres das regiões metropolitanas e ver quantas adolescentes são mães, impedidas de estudar e, por isso, com mais dificuldades de obter um emprego.
Para piorar, faltam creches e escolas de educação infantil; o que existe, no geral, é de qualidade sofrível.
Vive-se uma explosão diária da bomba jovem, visível nos índices de criminalidade. Sabe-se que a única saída consistente é desenvolver uma política de juventude acoplada ao crescimento econômico com melhoria do ensino público.
Distribuir camisinhas como parte de uma programa de educação sexual nas escolas públicas é apenas um detalhe diante da grandiosidade dos desafios - mas já é alguma coisa.
P.S. - Na semana passada, começou a prosperar outro debate importante para a questão da juventude. Todos sabemos do abuso crescente de álcool entre adolescentes ricos e pobres; educadores estão desnorteados. Acidentes de trânsito e violência são provocados, em larga medida, pela bebida. Uma comissão interministerial está buscando um acordo com empresários para limitar a propaganda e a venda ao redor das escolas.
É bem mais difícil educar os jovens se as empresas gastarem tanto dinheiro associando álcool com alegria, saúde e pujança sexual, usando os mais sofisticados recursos publicitários. Se os políticos não entrarem nesse assunto -assim como entraram na questão do tabaco- nada vai mudar.
Mas, como mostram várias experiências, não adianta apenas proibir o álcool, as drogas ou o sexo. Nem muito menos só limitar a propaganda. O sucesso, mostram as experiências, está em trabalhar com valores e perspectivas: jovens com boa auto-estima, estrutura familiar e que apostam no futuro podem, eventualmente, abusar das drogas e do álcool, mas tendem a buscar um ponto de equilíbrio. Sabem, afinal, que têm muito a perder.

E-mail - gdimen@uol.com.br

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