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Consulte sempre um advogado e um psiquiatra
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Ou não consulte. Vá sozinho. Tem advogado que cobra
R$ 130 pela primeira consulta,
ou seja: só para olhar para a
sua cara e ouvir sua história
desinteressante.
O ideal seria ir acompanhado à delegacia fazer o BO (boletim de ocorrência), mas o advogado não será o dos filmes
de Hollywood.
A delegacia tem seus guichês
de cimento pintados com tinta
a óleo e bancos também de cimento onde se senta uma fila
de infelizes à espera de atendimento. O único escrivão gordo
e flácido se arrasta diante da
tela de um computador. A fila
de dez infelizes levará horas de
aflição e espera para se desfazer. Um único escrivão na 77ª
delegacia de polícia de São
Paulo, bairro de Santa Cecília:
uma frieza de cimento, um
descaso, um desdém estampado na cara de quem atende.
Não estão nem aí se lhe roubaram, se bateram no seu carro, se assaltaram sua casa.
Pouco se importam se sua causa for uma queixa de cidadão
contra a extorsão cotidiana:
você roubado no IPTU, na
prestação da casa, no seguro
saúde, nas taxas dos bancos,
nos impostos do governo.
Já na 16ª delegacia, na Vila
Clementino, fila para tirar a
carteira de identidade (ou a 2ª
via), que demora mais de um
mês para ficar pronta. Fila, cavalice, funcionária emburrada. Tive uma briga lá: que não
era justo a pessoa que vai apenas retirar a carteira ficar na
mesma fila dos que vão fazer
uma. Burocracia burra. Funcionária espantou-se.
Querem que você tenha medo da polícia, fique acuado na
delegacia, aceite as regras e o
desrespeito -imagine que, na
16ª, depois da brutalidade com
que tiram as impressões digitais da pessoa, mandam-na lavar as mãos num tanque de lavar roupa, com sabão em pedra e sem toalha!
Ah, os advogados dos filmes
de Hollywood. Aqueles que se
interessam pela causa pequena do cidadão necessitado,
que vão lá, batalham, defendem o infeliz. Mas aqui... Parece que a crise na Justiça não
é bem na Justiça: é no próprio
direito brasileiro, dizem. No
amontoado de papel inútil em
que se transforma um processo
judiciário, nos vergonhosos
longos anos de tramitação e
recursos.
Você continuará enlouquecendo num banco de delegacia: a cara do único escrivão
balofo se transforma em tromba de elefante, em fuça de hipopótamo. Procure imediatamente um psiquiatra.
Ou não procure (que eles cobram, em média, R$ 150 por
sessão de 40 ou 50 minutos).
Faça como Toninho, um louco
que sai pelas ruas silenciosas
do bairro de manhã cedo, o sol
se acomodando ainda morno
entre as nuvens. Toninho vem
gritando lá da esquina:
-Eu sou o Toninhô...! Eu só
preciso de carinhô...!
À medida que ele se aproxima do prédio, a voz se aclara:
-Bom dia! Eu sou o Toninhô! Eu só preciso de carinhô!
Talvez algum psiquiatra tenha dito a ele: "Não, Toninho.
Você não é louco não. Você só
precisa de carinho." E ele endoidou de vez. Ele se iludiu.
O segredo está em não se iludir, em não se esquecer de que
você está sozinho num mundo
que está todo contra você.
E-mailmfelinto@uol.com.br
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