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MOACYR SCLIAR
Mensagem de Natal
Pelo cartão, quisera associar o Natal a uma mensagem de amor; uma nova vida, era o que estava prometendo
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Um cartão do Natal com um desenho colorido de Papai Noel e uma menina, postado em 1914, acaba de chegar a seu destino na cidade americana de Oberlin, no Estado de Kansas, depois de ficar extraviado durante 93 anos.
O cartão, datado de 23 de dezembro de
1914, tinha sido enviado a Ethel Martin,
de Oberlin. Ethel Martin nunca chegou a
ler a mensagem de Natal. Ela morreu antes de receber o cartão. Folha Online, 17
de dezembro de 2007
PARA ELE, O FIM DO ANO era sempre uma época dura, difícil de
suportar. Sofria daquele tipo
de tristeza mórbida que acomete algumas pessoas nos festejos de Natal
e de Ano Novo.
No seu caso havia uma razão óbvia
para isso: aos 70 anos, solteirão, sem
parentes, sem amigos, não tinha
com quem celebrar, ninguém o convidava para festa alguma. O jeito era
tomar um porre, e era o que fazia,
mas o resultado era melancólico:
além da solidão, tinha de suportar a
ressaca.
No passado, convivera muito tempo com a mãe. Filho único, sentia-se
obrigado a cuidar da velhinha que
cedo enviuvara. Não se tratava de tarefa fácil: como ele, a mãe era uma
mulher amargurada.
Contra a sua vontade, tinha casado, em 31 de dezembro de 1914 (o
ano em que começou a Grande
Guerra, como ela fazia questão de
lembrar) com um homem de quem
não gostava, mas que pais e familiares achavam um bom partido. Resultado desse matrimônio: um filho
e longos anos de sofrimento e frustração.
O filho tinha de ouvir suas constantes e ressentidas queixas. Coisa
que suportava estoicamente; não
deixou, contudo, de sentir certo alívio quando de seu falecimento, em
1984. Este alívio resultou em culpa,
uma culpa que retornava a cada Natal. Porque a mãe falecera exatamente na noite de Natal.
Na véspera, no hospital, ela lhe fizera uma confissão surpreendente:
muito jovem, apaixonara-se por um
primo, que acabou se transformando no grande amor de sua vida. Mas
a família do primo mudara-se, e ela
nunca mais tivera notícias dele.
Nunca recebera uma carta, uma
mensagem, nada. Nem ao menos
um cartão de Natal.
No dia 24 pela manhã ele encontrou um envelope na carta do correio. Como em geral não recebia
correspondência alguma, foi com alguma estranheza abriu o envelope.
Era um cartão de Natal, e tinha a
falecida mãe como destinatária. Um
velhíssimo cartão, uma coisa muito
antiga, amarelada pelo tempo. De
um lado, um desenho do Papai Noel
sorrindo para uma menina. Do outro lado, a data: 23 de dezembro de
1914. E uma única frase: "Eu te
amo." A assinatura era ilegível, mas
ele sabia quem era o remetente: o
primo, claro.
O primo por quem a mãe se apaixonara, e que, por meio daquele cartão, quisera associar o Natal a uma
mensagem de amor. Uma nova vida,
era o que estava prometendo. Esta
mensagem e esta promessa jamais
tinham chegado a seu destino. Mas
de algum modo o recado chegara a
ele. Por quê? Que secreto desígnio
haveria atrás daquilo?
Cartão na mão, aproximou-se da
janela. Ali, parada sob o poste de iluminação, estava uma mulher já madura, modestamente vestida. Hesitou um instante e depois precipitou-se para fora. Tinha uma mensagem a
entregar. Uma mensagem que poderia transformar sua vida, e que era,
por isso, um verdadeiro presente de
Natal.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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