São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

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URBANIDADE

Rodando a bolsa na rua

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

A atriz Adriana Bruno estava no limite do desespero. Além de uma crise no casamento, os projetos teatrais não saíam do papel e faltava-lhe dinheiro para pagar as contas. Até que ouviu um alto-falante, instalado num Fusquinha caindo aos pedaços que passava na frente de sua casa, anunciando pamonha. Teve a idéia, então, de sair vendendo, dentro de um automóvel, as bolsas de panos que vinha aprendendo a fazer. O problema é que seu Fusquinha fora roubado dois meses antes. Foi salva, então, pelos restos de seu sonho de teatro mambembe: um pequeno ônibus que conduzia o grupo de atores, agora enferrujado e sem uso. "Pensei que fora da vida de atriz seria profundamente infeliz", conta Adriana.
Por ser filha de militar, Adriana mudava sempre de cidade. Veio para São Paulo, onde estudou artes cênicas, na USP. Continuou em movimento, desta vez fazendo das ruas seus cenários como atriz do grupo Farândola. Mas, no final do ano passado, os projetos não prosperavam e, sem alternativa, lançou mão provisoriamente de sua habilidade de desenhar figurinos. A mãe lhe emprestou R$ 100 para comprar panos na 25 de Março. "Com esses R$ 100 ganhei R$ 300." Sua clientela era limitada às amigas e às amigas das amigas. "Precisava ir mais longe."
Quando estava em busca de uma solução, passou o Fusca vendendo pamonha -"logo fiquei triste com a lembrança do meu fusca roubado"-, mas, ao mesmo tempo, lembrou-se do pequeno ônibus, herança do "Farândola", e decidiu transformá-lo numa loja mambembe, transparente e repleta de cores. Faltava um detalhe. "Não tinha carta para dirigir ônibus e meu projeto ficou esperando." Amigos aconselhavam Adriana a tomar muito cuidado e lembravam todas as burocracias de um negócio. "Alguma solução tem de existir", respondia, insegura, mas sem alternativa.
Neste ano, ela, literalmente, pisou no acelerador e saiu dirigindo pelas ruas, parando em pontos movimentados, como a praça Benedito Calixto. Muita gente entra na loja, batizada de Maria Berenice, apenas atraída pelo exotismo do veículo. Mas o marketing motorizado funcionou. "Comecei a ser procurada por lojistas que queriam minhas bolsas." Há alguns dias, Adriana recebeu sinais de que a sua ousadia estava dando resultados. Não tinha mais produtos e estava à procura de uma funcionária para ajudá-la na confecção das bolsas -esse empreendedorismo a faz um personagem sintético da cidade de São Paulo, que hoje completa 452 anos, feita de migrantes e imigrantes.


@ - gdimen@uol.com.br

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