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Assaltante, garoto de 12 anos é analfabeto
L.F.S.L. viveu até os quatro anos em um abrigo para crianças desassistidas no Rio; mãe alegava não poder criá-lo e o pai morrera
Ele foi preso na terça-feira
logo após participar, com
mais dois meninos, de
assalto em que foi baleado
um comerciante chinês
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Envolvido em assalto que resultou no ferimento a tiros de
um comerciante chinês,
L.F.S.L., 12, é analfabeto, não
tem pai e a mãe está desempregada há dois anos. Com o irmão
de 7 anos, ele morava até segunda-feira no morro do Salgueiro (Tijuca, zona norte do
Rio). Agora, está internado no
Instituto Padre Severino, para
menores infratores.
L. foi preso na madrugada da
última terça-feira, logo após o
crime que cometeu com mais
dois garotos. O trio atacou
Chan Leh I, 53, em um sinal de
trânsito em São Cristóvão (zona norte). Mesmo sem reagir, a
vítima foi baleada no braço esquerdo. O tiro da pistola Colt
45 ainda atingiu a barriga e a
perna direita do comerciante.
A vida de L. é miserável desde
o nascimento, em maio de
1994. Com menos de um ano,
foi deixado pela mãe em abrigo
para crianças sem família ou
com pais sem condições. Empregada doméstica, ela disse
que não poderia sustentá-lo,
pois o marido morrera.
A 1ª Vara da Infância e da Juventude registra que somente
em 1998 a mãe retirou L. da instituição de amparo. Desde então, tem vivido com ele e o irmão nascido logo depois em
cortiços e favelas do Rio.
Tia de L., Maria da Luz Ribeiro, 47, disse à Folha que sempre buscou ajudar a irmã, quatro anos mais nova, que não
consegue trabalho desde 2004
e esteve hospitalizada por dois
meses em 2006. Ela conta que
chegou a cuidar do menino,
que em setembro decidiu voltar ao barraco no Salgueiro.
"A vida dele é meio complicada. Ele começou a não querer
ir para a escola", disse a tia, que
definiu o menino como "fofo,
maravilhoso, obediente e muito carinhoso". Ela creditou o
envolvimento do sobrinho no
crime a más influências.
Na 18ª Delegacia, para onde
foi levado, L. disse ser analfabeto. Maria afirma que o sobrinho estudava, mas abandonou
a escola "porque tinha dificuldade no aprendizado".
L. e o colega C.G.P., 14, foram
reconhecidos por fotografia
pela vítima, em depoimento na
sexta-feira. Leh disse ao delegado Edgar Cumani que achava
que L. tinha menos de 10 anos.
Franzino, o menino mede 1,45
m de altura. C. também foi preso. Ele teria sido o autor do disparo, segundo o comerciante.
Nenhum deles tinha antecedente criminal. O terceiro envolvido, também menor, não
havia sido achado pela polícia
até a conclusão desta edição.
Para o juiz de menores Guaracy Vianna, o caso de L. e seus
amigos criminosos não pode
ser considerado exceção. As estatísticas da 2ª Vara da Infância e da Juventude mostram
que de 20% a 25% dos crimes
ali registrados são cometidos
por crianças de 12 a 14 anos.
Vianna ouvirá L. e o cúmplice
na próxima quarta-feira.
Os números não são recentes. Vianna diz que esse patamar está estabilizado há ao menos dois anos. Chegou a ser
maior até 2005, revelou ele.
"São 150 novas entradas por
semana, 500 por mês. Infelizmente", disse ele, que, na manhã de sexta-feira, ainda não
havia analisado o caso de L.,
mas que, em tese, considera
que ele pode ser ressocializado.
"O sistema socioeducativo
conta com assistentes sociais,
psicólogos. Sabemos que a pessoa mais jovem é movida por
impulso. Nessa idade, é muito
mais fácil reverter esse impulso. Conseguimos isso com mais
da metade dos jovens", disse.
Ex-secretária de Educação
do Rio e presidente da Multirio, instituição vinculada à rede
de ensino da prefeitura, a educadora Regina de Assis observa
no caso de L. um exemplo claro
da conseqüência da falta de
vínculo familiar na opção do
menino pela criminalidade.
"Não dá para virar ser humano sem troca de afeto. Nessa
faixa etária, 12 anos, ele passa a
ser alguém, está se definindo, é
o momento de fazer escolhas",
afirma ela, para quem a televisão e a publicidade têm responsabilidade pela cada vez maior
participação de crianças e adolescentes na violência.
Assis considera que a mídia
apresenta à sociedade, sem
obstáculos e discussões contrárias, "seus códigos de consumo
e do que é ser bem-sucedido".
"A mídia traz uma contribuição, se é que a gente pode chamar isso de contribuição, que é
muito definitiva em relação à
identidade de meninos e meninas no Brasil. É um modelo que
está acima do bem e do mal."
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