São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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Assaltante, garoto de 12 anos é analfabeto

L.F.S.L. viveu até os quatro anos em um abrigo para crianças desassistidas no Rio; mãe alegava não poder criá-lo e o pai morrera

Ele foi preso na terça-feira logo após participar, com mais dois meninos, de assalto em que foi baleado um comerciante chinês

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Envolvido em assalto que resultou no ferimento a tiros de um comerciante chinês, L.F.S.L., 12, é analfabeto, não tem pai e a mãe está desempregada há dois anos. Com o irmão de 7 anos, ele morava até segunda-feira no morro do Salgueiro (Tijuca, zona norte do Rio). Agora, está internado no Instituto Padre Severino, para menores infratores.
L. foi preso na madrugada da última terça-feira, logo após o crime que cometeu com mais dois garotos. O trio atacou Chan Leh I, 53, em um sinal de trânsito em São Cristóvão (zona norte). Mesmo sem reagir, a vítima foi baleada no braço esquerdo. O tiro da pistola Colt 45 ainda atingiu a barriga e a perna direita do comerciante.
A vida de L. é miserável desde o nascimento, em maio de 1994. Com menos de um ano, foi deixado pela mãe em abrigo para crianças sem família ou com pais sem condições. Empregada doméstica, ela disse que não poderia sustentá-lo, pois o marido morrera.
A 1ª Vara da Infância e da Juventude registra que somente em 1998 a mãe retirou L. da instituição de amparo. Desde então, tem vivido com ele e o irmão nascido logo depois em cortiços e favelas do Rio.
Tia de L., Maria da Luz Ribeiro, 47, disse à Folha que sempre buscou ajudar a irmã, quatro anos mais nova, que não consegue trabalho desde 2004 e esteve hospitalizada por dois meses em 2006. Ela conta que chegou a cuidar do menino, que em setembro decidiu voltar ao barraco no Salgueiro.
"A vida dele é meio complicada. Ele começou a não querer ir para a escola", disse a tia, que definiu o menino como "fofo, maravilhoso, obediente e muito carinhoso". Ela creditou o envolvimento do sobrinho no crime a más influências.
Na 18ª Delegacia, para onde foi levado, L. disse ser analfabeto. Maria afirma que o sobrinho estudava, mas abandonou a escola "porque tinha dificuldade no aprendizado".
L. e o colega C.G.P., 14, foram reconhecidos por fotografia pela vítima, em depoimento na sexta-feira. Leh disse ao delegado Edgar Cumani que achava que L. tinha menos de 10 anos. Franzino, o menino mede 1,45 m de altura. C. também foi preso. Ele teria sido o autor do disparo, segundo o comerciante. Nenhum deles tinha antecedente criminal. O terceiro envolvido, também menor, não havia sido achado pela polícia até a conclusão desta edição.
Para o juiz de menores Guaracy Vianna, o caso de L. e seus amigos criminosos não pode ser considerado exceção. As estatísticas da 2ª Vara da Infância e da Juventude mostram que de 20% a 25% dos crimes ali registrados são cometidos por crianças de 12 a 14 anos. Vianna ouvirá L. e o cúmplice na próxima quarta-feira.
Os números não são recentes. Vianna diz que esse patamar está estabilizado há ao menos dois anos. Chegou a ser maior até 2005, revelou ele.
"São 150 novas entradas por semana, 500 por mês. Infelizmente", disse ele, que, na manhã de sexta-feira, ainda não havia analisado o caso de L., mas que, em tese, considera que ele pode ser ressocializado.
"O sistema socioeducativo conta com assistentes sociais, psicólogos. Sabemos que a pessoa mais jovem é movida por impulso. Nessa idade, é muito mais fácil reverter esse impulso. Conseguimos isso com mais da metade dos jovens", disse.
Ex-secretária de Educação do Rio e presidente da Multirio, instituição vinculada à rede de ensino da prefeitura, a educadora Regina de Assis observa no caso de L. um exemplo claro da conseqüência da falta de vínculo familiar na opção do menino pela criminalidade.
"Não dá para virar ser humano sem troca de afeto. Nessa faixa etária, 12 anos, ele passa a ser alguém, está se definindo, é o momento de fazer escolhas", afirma ela, para quem a televisão e a publicidade têm responsabilidade pela cada vez maior participação de crianças e adolescentes na violência.
Assis considera que a mídia apresenta à sociedade, sem obstáculos e discussões contrárias, "seus códigos de consumo e do que é ser bem-sucedido".
"A mídia traz uma contribuição, se é que a gente pode chamar isso de contribuição, que é muito definitiva em relação à identidade de meninos e meninas no Brasil. É um modelo que está acima do bem e do mal."


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