São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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SAÚDE

2,5 milhões podem descobrir diabetes

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de 2,5 milhões de brasileiros terão um motivo importante para não esquecer estas semanas de março. Ao longo deste mês, eles receberam ou estarão recebendo a notícia, ainda preliminar, de que são diabéticos. Estima-se que metade desse contingente nem desconfiasse que era portador da doença.
Passado o susto da má notícia, a maioria vai constatar que seria muito pior se não tivesse feito o teste e não fosse informado do resultado. Diagnosticado no início e devidamente tratado, o diabetes pode ser controlado. No caso contrário, a doença fará estragos graves quando aparecer, podendo provocar derrames, amputações, cegueira e problemas cardíacos.

Furo no dedo
Reduzir os danos dessa "doença silenciosa" é o propósito da campanha do Ministério da Saúde iniciada no último dia 6 e que se encerra na próxima sexta-feira.
Os números, por enquanto, são apenas estimativas. Ao planejar a campanha, estendida às cerca de 30 mil unidades de saúde do país, o ministério estimou que 30 milhões de brasileiros fariam o exame de glicemia capilar. Desses, estimava-se, 2,5 milhões irão descobrir que estão com a doença ou confirmarão um diagnóstico já feito anteriormente.
Os números dessa fase devem ser consolidados dentro de 15 dias. Nos próximos dois meses, os que tiveram a glicemia alterada no teste capilar -uma gota de sangue retirada do dedo- serão submetidos a exames de sangue confirmatórios.

Duas Campinas
O novo desafio estará então começando. As unidades básicas de saúde deverão estar preparadas para receber esse novo contigente de diabéticos, equivalente a mais de duas vezes e meia a população de Campinas, em São Paulo.
Ana Luiza Vilasboas, coordenadora da Campanha Nacional de Diabetes, diz que o SUS tem infra-estrutura para esse atendimento. Segundo ela, medicação e insumos -como fitas e aplicadores de insulina- já estão previstos no orçamento. Além das 30 mil unidades de saúde -que receberão aparelhos glicosímetros para medir a glicose no sangue-, cerca de 38 milhões de pessoas já estão sendo acompanhadas pelo Programa de Saúde da Família.
Ainda falta um treinamento adequado dos profissionais, que também está sendo anunciado como parte da campanha. Segundo o ministério, 5.500 multiplicadores municipais estão sendo treinados para atualizar cerca de 40 mil profissionais da rede básica em todo o país.

Lei paulista
Na prática, a realidade não é tão animadora. "O SUS não coloca à disposição todos os tipos de insulina e muitas cidades não recebem nenhum dos tipos", diz Lilian Fanny de Castilho, diretora-executiva da Anad, Associação Nacional de Assistência ao Diabético. Com uma rede de pacientes em todo o Estado de São Paulo e contatos com associações de muitas regiões, a Anad é um dos muitos "olhos" das entidades de pacientes diabéticos.
Foi uma dessas entidades, a ADJ, Associação de Diabetes Juvenil, que mais batalhou para a aprovação de uma lei na Assembléia Legislativa de São Paulo que garantisse atendimento, medicamentos e insumos aos diabéticos.
A lei 10.782-01, cujo projeto é de autoria do deputado Roberto Gouveia (PT), foi sancionado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) no último dia 9.
Pela lei, o SUS deve garantir medicamentos e insumos para o autocontrole -glicosímetros e fitas- e auto-aplicadores de insulina. Significa que cada paciente dependente de insulina terá direito a um aparelho medidor de glicose (custo entre R$ 100 e R$ 200) e fitas para os testes, que consomem cerca de R$ 60 a R$ 90 por mês. Um grupo a ser coordenado pela Secretaria de Estado da Saúde, com participação de entidades e usuários, deverá detalhar a lei numa "norma técnica". Amanhã, membros da ADJ se reúnem com representantes da secretaria para a criação do grupo de trabalho.
"Oferecer condições para que o paciente e sua família tenham autonomia no controle e tratamento do diabetes é a forma mais barata de evitar os altíssimos custos da doença", diz Gouveia.
Em 1999, o SUS gastou R$ 33 milhões com internações decorrentes de complicações com o diabetes. Só no Estado de São Paulo, a ADJ estima que 6.000 diabéticos em diálise consumam quase R$ 1.000 por mês, cada um, apenas no processo de filtragem do sangue. É apenas a ponta do iceberg. Os Estados Unidos estimam em US$ 130 bilhões por ano as perdas com tratamento e custos indiretos dessa doença.
A etapa de atenção integral ao diabético, que além de medicamentos e equipamentos exige profissional de saúde preparado, só está começando agora. É a que deve exigir mais empenho e cooperação entre municípios, Estados, ministérios e entidades. Os coordenadores da campanha estimam que 65% dos "novos" diabéticos serão acompanhados pela rede de atenção básica, 30% em ambulatórios especializados e 5% em serviços de alta complexidade.

Diagnóstico e tratamento
O consenso de que "pouco adianta diagnosticar sem tratar" é defendido por todas as associações envolvidas com a questão. Essa tem sido uma das bandeiras do médico Fadlo Fraige Filho, que comanda a Federação Nacional das Associações de Diabéticos.
Também tem sido o pensamento da Sociedade Brasileira de Diabetes (SDB), dirigida pela médica Adriana Costa e Forti, e pelas sociedades de Hipertensão Arterial, Cardiologia e Nefrologia.
"O diagnóstico ainda não é levado a sério, nem por pacientes nem por médicos", diz Jorge Gross, professor titular de endocrinologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ex-presidente da SDB. Segundo ele, foi na sua gestão, e com a participação de uma dezena de entidades, que se iniciou a preparação da campanha agora em andamento.
"Confirmado o diagnóstico, o paciente terá de ser acompanhado por profissionais treinados, do contrário todos vamos pagar caro por isso", afirma Gross. "O grande nó na luta contra o diabetes está no atendimento pós-diagnóstico. Tem médico que diz, "é apenas uma glicosisinha elevada". Pois essa glicosisinha é como cupins, que vão atacando por dentro."
Pelos números internacionais, confirmados por um censo ainda de 1989, cerca de 7,6% dos brasileiros entre 30 e 69 anos são portadores de diabetes. Somariam quase 6 milhões, que devem saltar para 11,6 milhões em 2025.
Desses totais, 10% correspondem ao diabetes juvenil, ou do tipo 1, que exige uso de insulina desde o início. Os outros são do tipo 2, ou Mellitus, que costuma aparecer depois dos 40 anos e decorre muitas vezes da obesidade e do sedentarismo. Por ano, os dois tipos de diabetes matam cerca de 25 mil brasileiros.


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