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DEPOIMENTO
À espera do júri, sensação foi a de estar num presídio
Confinado em fórum, repórter que testemunhou no caso Isabella ficou cerca de 40 horas sem ver a luz do sol; ao depor, extenuado, quebrou parte de maquete
ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O documento da Justiça determinava minha apresentação
às 12h30 do dia 22, segunda-feira. Fui um dos arrolados como testemunha pela defesa do
casal Nardoni por conta de uma
entrevista com o pedreiro de
uma obra ao lado do prédio onde o crime ocorreu.
O documento deixava claro
que minha presença não era
opcional. E ainda recebi a
orientação para me preparar
para um "eventual pernoite".
Às 11h30, estava no Fórum de
Santana. Fui levado para um
plenário ao lado do qual aconteceria o julgamento mais importante daquele lugar.
Nos minutos seguintes chegaram mais 14 pessoas. Eram,
em sua maioria, policiais civis
ou servidores ligados à segurança pública. Apenas dona Geralda, vizinha do edifício London, destoava da turma. Em
menos de 15 minutos, já tinha
andado por toda a sala e feito
uma série de reclamações.
O tempo passou e alguém
disparou: "Estamos com fome".
A informação era que não havia
previsão de comida, porque, como a apresentação era às
12h30, esperava-se que todas as
testemunhas já tivessem almoçado. A saída foi uma vaquinha.
Quando a comida chegou,
veio também a notícia de que
cinco das testemunhas seriam
dispensadas. Dona Geralda era
uma delas. E comemorou.
A essa altura éramos em dez
testemunhas. Por volta das 15h,
fomos informados de que iríamos para o Fórum da Barra
Funda. O primeiro carro, uma
Kombi, demorou meia hora e
não foi suficiente para todos.
Mais um tempo até chegar um
Fiat Doblô para ajudar.
Na espera, ainda tentei puxar
papo com um oficial de Justiça.
"É você que vai ficar de castigo
conosco?". "Não tem ninguém
de castigo. Estamos à disposição da Justiça", disse, ríspido.
Fomos, então, para a Barra
Funda escoltados. Depois de
idas e vindas, finalmente conseguiram encontrar o lugar onde ficaríamos. Sem janelas, sem
ventilação externa, um corredor cheio de quartos com beliches -estilo bem franciscano.
Todos os celulares foram
confiscados. Sem televisão,
sem rádio, sem jornal. Nada.
"Vocês estão incomunicáveis", disse o oficial. Ligações,
só com o aval dele. Ele daria o
recado, e só. Falar com alguém
de fora? Proibido.
A divisão dos quartos ocorreu mais ou menos pelo grupo
de trabalho. Ao pedir um quarto com banheiro, duas peritas
ouviram: "Aqui não é hotel cinco estrelas". Após a ajuda de
uma funcionária, conseguiram.
Antes de jantar, a maioria foi
tomar banho. Mas um dos banheiros começou a vazar e a
equipe de manutenção foi acionada. Interditaram o banheiro.
A comida era horrível. Arroz,
feijão, um pedaço de carne, salada e refrigerante quente. Não
havia prato. Comíamos em um
frágil marmitex de isopor, o
que tornava hercúlea a simples
tarefa de cortar um bife.
Na hora de dormir, percebeu-se o quanto era complicado. Os colchões tinham plásticos barulhentos e o cobertor
era de campanha de agasalho.
No meu quarto, havia apenas
um beliche e espaço para um
criado mudo, que não existia.
Além disso, os quartos ficam
numa espécie de porão do prédio e, com eles, os motores do
ar-condicionado.
Terça-feira
Quando o dia amanheceu, o
café atrasou porque esqueceram de buscar a responsável
para servi-lo. "Que horas vamos para lá [Santana]? Alguém
falou algo?", perguntei. Não havia nenhuma previsão.
Naquele momento, a sensação era de estar em um presídio. Não tínhamos autorização
nem para um "banho de sol", e
as luzes artificiais escondiam
ser dia ou noite. Baratas aparecem mortas pelo chão.
Para passar o tempo, eu tinha
apenas uma edição da Folha do
dia anterior. Os colegas de
"cárcere" tinham laudos, muitos laudos, para ler e se prepararem para o plenário. Eram
um delegado, dois investigadores, três peritos, dois médicos
legistas e o pedreiro de um prédio vizinho ao edifício London.
À noite, mais barulho e passos pelo corredor de um insone. Os sorrisos sumiram.
Das dez testemunhas confinadas, oito participaram da investigação ou produziram laudos para incriminar o casal
Nardoni. A cada novo "carcereiro", faziam questão de dizer
que não defendiam o casal
-estavam ali porque foram arrolados pela defesa. Se pudessem, não estariam ali, mas na
acusação -grupo que estava
confinado noutro lugar.
Nenhum amigo, nenhum parente, ninguém ali para falar
bem dos dois -como é comum
ocorrer- estava convocado.
Quarta-feira
Pela manhã, fomos para o
Fórum de Santana. Sem a certeza, porém, de que seríamos
ouvidos. Quando saíamos pelos
corredores, alguém disse:
"Olha o sol, olha o sol". Àquela
altura, estávamos há cerca de
40 horas sem ver a luz do dia.
"Nunca dei tanto valor à liberdade. Ficar assim dá um desespero. Dá uma agonia muito
grande sentir-se preso, assim",
disse outro.
Quando chegamos, vimos o
tumulto dos jornalistas. Eu, repórter, não sabia nada do que
havia sido publicado. Estava
tão perto e tão longe de tudo.
Fomos levados para a sala.
Portas trancadas e dois oficiais
vigiando a porta que estava destrancada. Não podíamos nem
sair do corredor. Ficamos ali
das 10h30 até as 16h, 17h, quando fui chamado para depor.
O medo dos que ficaram?
Voltar de novo à Barra Funda.
Quando sentei na cadeira do
plenário, todo o "cárcere" pesou nos ombros. Fiquei nervoso a ponto de não ver o casal
Nardoni, os jurados. Pedi um
copo d'água e ainda quebrei a
chaminé da churrasqueira da
maquete da Promotoria, quando indicava o lugar para o júri.
"Obrigado por ter vindo, apesar de ter quebrado a maquete",
ainda tive de ouvir do promotor
Cembranelli.
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