São Paulo, segunda-feira, 25 de junho de 2007

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MOACYR SCLIAR

O iate do iate do iate do iate, etc


Para esse terceiro iate, designou empregados de menor categoria, aqueles cuja presença o incomodava

  Bem-vindo ao "Riquistão" -"Richistan" no original. Esse país imaginário dentro de um país de verdade, os EUA, é composto por famílias, que, juntas, movimentam US$ 17 trilhões, ou 30% a mais do que o PIB dos EUA. Tem sua própria linguagem, com termos especiais. Assim, "iate do iate" é o barco que acompanha o iate do ricaço apenas para levar certos importantes acessórios, como a lancha de corrida, o minissubmarino ou o helicóptero.
Dinheiro, 17 de junho

NO COMEÇO , dois iates eram suficientes para os passeios do bilionário, sua família e seus amigos. Ficavam todos no iate principal, aliás enorme, quase um transatlântico; para diversões extras, como corrida de lanchas, recorriam a um segundo iate. Neste só viajavam os empregados do ricaço, gente de confiança, encarregada de providenciar as lanchas (ou os minissubmarinos ou os helicópteros) para diversão do patrão e de seus convidados. Esses empregados estavam sob a chefia de um antigo comandante de navio, homem da confiança do bilionário.
O capitão Henry gostava de mandar. Assim, e com o consentimento de seu patrão, foi aumentando a equipe do chamado "iate do iate" até que, a certa altura, começou a ter problemas. Embora esse iate do iate fosse grande, o equipamento que transportava e, sobretudo, a quantidade de pessoas que agora ali trabalhavam haviam criado um problema de espaço.
A solução era óbvia: arranjar um terceiro iate, o que, com o consentimento do chefe, o capitão Henry fez.
Para esse terceiro iate, designou os empregados de menor categoria, aqueles cuja presença, no iate do iate, o incomodava. Sim, porque o capitão Henry tinha consciência de sua própria importância, e não lhe agradava conviver, sobretudo em um espaço inevitavelmente limitado, com gente inferior. Para ali foram, portanto, empregados de menor categoria.
No iate do iate do iate não havia lanchas de corrida ou minissubmarinos ou helicóptero. Só combustível, provisões variadas (que serviam para alimentar os próprios empregados) e artigos de limpeza.
O comando do iate do iate do iate foi entregue a um homem chamado George, que gozava da confiança do capitão Henry. Como este, também se julgava pessoa de elevada hierarquia e, como este, não gostava de conviver com todos os tripulantes do iate do iate do iate; ao fim de pouco tempo, e com o apoio do capitão Henry, acrescentou mais um barco àquilo que, a essa altura, já era uma verdadeira frota.
O processo foi tendo continuidade. Novos, e cada vez menores, iates, se acrescentando ao cortejo. Atualmente são 15. O último, contudo, dificilmente pode ser chamado de iate.
Trata-se de um barco minúsculo, um escaler praticamente, que tem um único tripulante, um homem soturno, de cara fechada, cujo nome ninguém sabe. Também não se sabe o que transporta no barco; só se sabe que ninguém quer a companhia dele nem no iate, nem no iate do iate, nem no iate do iate do iate, nem no iate do iate do iate do iate e assim por diante. É, por assim dizer, um pária.
Isso não impede que ele se poste, impávido, orgulhoso, na proa de sua embarcação; não impede que ele sonde o horizonte; e não impede que ele sonhe com a descoberta de novas terras, onde será rico, muito rico, e onde terá tantos iates que perderá a conta do número deles.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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