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MOACYR SCLIAR
O iate do iate do iate do iate, etc
Para esse terceiro iate, designou empregados de menor categoria, aqueles cuja presença o incomodava
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Bem-vindo ao "Riquistão" -"Richistan"
no original. Esse país imaginário dentro
de um país de verdade, os EUA, é composto por famílias, que, juntas, movimentam US$ 17 trilhões, ou 30% a mais do que o PIB dos EUA. Tem sua própria
linguagem, com termos especiais. Assim,
"iate do iate" é o barco que acompanha o
iate do ricaço apenas para levar certos
importantes acessórios, como a lancha
de corrida, o minissubmarino ou o helicóptero.
Dinheiro, 17 de junho
NO COMEÇO , dois iates eram
suficientes para os passeios
do bilionário, sua família e
seus amigos. Ficavam todos no iate
principal, aliás enorme, quase um
transatlântico; para diversões extras, como corrida de lanchas, recorriam a um segundo iate. Neste só
viajavam os empregados do ricaço,
gente de confiança, encarregada de
providenciar as lanchas (ou os minissubmarinos ou os helicópteros)
para diversão do patrão e de seus
convidados. Esses empregados estavam sob a chefia de um antigo comandante de navio, homem da confiança do bilionário.
O capitão Henry gostava de mandar. Assim, e com o consentimento
de seu patrão, foi aumentando a
equipe do chamado "iate do iate" até
que, a certa altura, começou a ter
problemas. Embora esse iate do iate
fosse grande, o equipamento que
transportava e, sobretudo, a quantidade de pessoas que agora ali trabalhavam haviam criado um problema
de espaço.
A solução era óbvia: arranjar um
terceiro iate, o que, com o consentimento do chefe, o capitão Henry fez.
Para esse terceiro iate, designou os
empregados de menor categoria,
aqueles cuja presença, no iate do iate, o incomodava. Sim, porque o capitão Henry tinha consciência de
sua própria importância, e não lhe
agradava conviver, sobretudo em
um espaço inevitavelmente limitado, com gente inferior. Para ali foram, portanto, empregados de menor categoria.
No iate do iate do iate não havia
lanchas de corrida ou minissubmarinos ou helicóptero. Só combustível, provisões variadas (que serviam
para alimentar os próprios empregados) e artigos de limpeza.
O comando do iate do iate do iate
foi entregue a um homem chamado
George, que gozava da confiança do
capitão Henry. Como este, também
se julgava pessoa de elevada hierarquia e, como este, não gostava de
conviver com todos os tripulantes
do iate do iate do iate; ao fim de pouco tempo, e com o apoio do capitão
Henry, acrescentou mais um barco
àquilo que, a essa altura, já era uma
verdadeira frota.
O processo foi tendo continuidade. Novos, e cada vez menores, iates,
se acrescentando ao cortejo. Atualmente são 15. O último, contudo, dificilmente pode ser chamado de iate.
Trata-se de um barco minúsculo,
um escaler praticamente, que tem
um único tripulante, um homem soturno, de cara fechada, cujo nome
ninguém sabe. Também não se sabe
o que transporta no barco; só se sabe
que ninguém quer a companhia dele
nem no iate, nem no iate do iate,
nem no iate do iate do iate, nem no
iate do iate do iate do iate e assim por
diante. É, por assim dizer, um pária.
Isso não impede que ele se poste,
impávido, orgulhoso, na proa de sua
embarcação; não impede que ele
sonde o horizonte; e não impede que
ele sonhe com a descoberta de novas
terras, onde será rico, muito rico, e
onde terá tantos iates que perderá a
conta do número deles.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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