São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2004

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MASSACRE NO CENTRO

Muitos moradores de rua ainda evitam os estabelecimentos por causa das regras, como as de horário

Medo e frio fazem lotar os albergues

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Cambaleante, com os olhos embaçados, um homem de cerca de 30 anos se aproxima do portão do albergue Cirineu, no centro de São Paulo, às 20h30.
Do lado de dentro, à sua espera, uma mulher grita, nervosa, apontando o dedo para o recém-chegado: "Ô, João, você não some não, viu? Porque estão matando gente na praça da Sé e ninguém sabe quem está fazendo isso. Eu estava louca de preocupação, achando que tinha acontecido alguma coisa com você." João é pego pelo braço e levado para dentro do albergue.
A cena ilustra bem o clima de terror que tomou conta de uma parcela de moradores da cidade. Nas rodinhas, na sala de jantar e nos corredores dos abrigos, o assunto é um só: os ataques sofridos por moradores de rua na última semana. Por conta dos atentados e da queda na temperatura, os albergues ficaram lotados ontem à noite. Alguns deles tiveram de improvisar colchões nos corredores.
"Depois que matarem todos os que estão lá fora, vão entrar aqui para pegar a gente", desesperava-se a ex-menina de rua Mônica dos Santos, 26. "Eu tenho para mim que são os tais dos "skinheads"." A suspeita foi apontada à Folha por outros moradores de rua.

Regras
A Polícia Militar promoveu na noite de ontem uma operação para encaminhar moradores de rua aos albergues da cidade. Aqueles que se recusaram a ir foram orientados a, pelo menos, dormir próximo aos postos policiais espalhados pelo centro da cidade.
"Não quero ir para lá porque tenho de obedecer às regras deles", afirma Severiano Fernandes Oliveira, 64, morador de rua há 20. As tais regras realmente existem e mudam um pouco de uma instituição para outra.
Segundo a secretária de Assistência Social, Aldaíza Sposati, "muitos não querem ir para um espaço que requer referências coletivas. Há problemas de comprometimento de saúde mental e do hábito da rua".
Na parede de um dos albergues visitados pela reportagem, placas alertavam para as normas da casa: "É proibido falar alto e gritar, fumar nas dependências internas, desobedecer horários, tomar banho após as 22h e faltar com a higiene pessoal". Portar arma branca ou de fogo, agredir ou ameaçar física ou verbalmente funcionários ou outros usuários pode ser punido com o desligamento da instituição. Há horário para buscar pertences deixados dentro do albergue, jantar e deixar o local.
Pelas regras e por ter um filho de 11 meses que "os assistentes sociais do albergue querem levar para outra instituição", Reinaldo Pereira, 31, e sua mulher estão na rua, mas não dormem de noite.


Colaborou o "Agora"

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