|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SP EM MOVIMENTO
Mortalidade infantil é acima da média da cidade em quase metade dos bairros; centro e áreas pobres lideram
Crianças morrem mais em 29 distritos
DA REPORTAGEM LOCAL
São Paulo teve uma queda de
11,2% na taxa de mortalidade na
infância (0 a 4 anos) entre 94 e 99.
Entretanto, 43 dos seus 96 distritos apresentam índices acima da
média da cidade, e 29 tiveram aumento na taxa nesse período.
Os dados constam do Mapa da
Exclusão/Inclusão Social 2000,
fornecidos pelo Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade).
O índice médio de crianças entre 0 e 4 anos mortas na capital
paulista foi, em 99, de 48,76 em
cada 10 mil crianças vivas. Em 94,
morreram 54,92 em cada 10 mil.
A diminuição é uma tendência
verificada por outras instituições,
como a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o IBGE e a Fundação Seade. Entre as
causas estão melhorias no saneamento básico e no atendimento
pré-natal e a adoção de soluções
como a multimistura, que combate a desnutrição infantil.
Mas em distritos paulistanos do
centro -como Cambuci, Sé e Pari- de regiões mais pobres das
zonas leste -como São Lucas e
São Rafael- e sul -como Cidade Dutra, Cidade Líder e Jardim
Ângela- a mortalidade chegou a
aumentar 40% entre 94 e 99.
Para o médico sanitarista Jorge
Kayano, o fenômeno se explica
pela má distribuição de renda, o
que leva à formação de ilhas de riqueza e de pobreza. "O mapa
mostra bem isso. Enquanto grande parte dos distritos e a própria
cidade têm uma redução na mortalidade, algumas regiões mantêm índices elevadíssimos", afirma Kayano, que preside o Instituto Polis e participou da pesquisa.
No Cambuci, a mortalidade deu
um salto de 44,83 mortes por cada
10 mil crianças, em 94, para 74,84
mortes em cada 10 mil em 99.
Nesse período, a população na
faixa etária de 0 a 4 anos no bairro
caiu de 2.677 para 1.737 crianças.
Na opinião de especialistas,
uma das possíveis explicações para o aumento das mortes no centro são as condições precárias de
moradia nessa região, quase sempre velhas casas e sobrados invadidos. Outra possibilidade são as
causas externas.
As mortes de crianças por causas externas foram as únicas que
aumentaram de 1980 para 1999 no
Estado de São Paulo, de acordo
com dados da Fundação Seade. O
número é pequeno em relação ao
total -são apenas 2% das mortes-, mas são acidentes que poderiam ser facilmente evitados
pelos próprios pais.
Em 1999, 303 bebês morreram
de causas externas, como queimaduras, asfixia em lençóis e sacos plásticos e afogamento. Em
1980, foram 268 mortes.
Perda
"Quando vejo os garotos da vizinhança, penso em como Charles poderia estar, daqui a alguns
anos, também brincando. Quero
ter outros filhos, mas não agora.
Ainda é muito cedo".
A declaração é de Sílvia Aparecida Pereira Guimarães, 20, desempregada. O primeiro filho dela, Charles, morreu no dia 30 de
julho, aos 3 meses, em consequência de um resfriado que evoluiu para uma pneumonia.
O bebê passou 14 dias internado
no Hospital Menino Jesus, três
deles na UTI pediátrica. "Num
domingo, um médico chamou todos os parentes para a visita. Eu fiquei por último. Ele olhou para
mim e disse, num tom seco, que
não tinha boas notícias, que meu
filho tinha morrido", conta.
Sílvia mora na Liberdade (centro de SP). Entre 94 e 99, o distrito
teve uma redução de 84,8 para
51,4 mortes por cada 10 mil crianças entre 0 e 4 anos. No ano passado 17 das 3.306 crianças nessa faixa etária morreram no bairro.
Apesar da redução, o índice ainda
é considerado alto.
"Já que o ideal de nenhuma
morte não existe, usamos como
parâmetro atual o menor índice
encontrado na cidade de São Paulo no ano passado: 1 criança morta em 10 mil", afirma Dirce Koga,que coordenou a confecção do
Mapa da Exclusão.
Ambiente
O marido de Sílvia faz bicos como jardineiro e pintor e ganha até
R$ 400 por mês. O casal vive na
parte inferior de um sobrado invadido e, apesar de limpa, a casa
tem as paredes e o teto cobertos
de mofo, em razão da umidade.
"Acho que foi por isso que meu
filho ficou doente", diz Sílvia. Do
lado de fora, próxima à casa, há
uma fossa sanitária a céu aberto.
"Entre as maiores causas de morte de crianças entre 0 e 4 anos estão os componentes ambientais",
diz Jorge Kayano.
Segundo ele, saneamento, moradia, higiene, alimentação e nível
de instrução dos pais são fatores
decisivos na sobrevivência dessas
crianças. Outra grande arma contra a mortalidade infantil, especialmente em menores de 1 ano, é
o aleitamento materno.
"Eu não amamentei Charles
porque ele não pegava no peito",
afirmou Sílvia. "Mas ele era um
menino saudável e sorridente".
Segundo Lourdes Dilecta Giacomini, da Pastoral da Criança, a situação onde Sílvia mora seria pior
se a entidade e a paróquia local
não ajudassem os moradores das
outras casas invadidas.
"Nós fazemos visitas e ficamos
de olho nas crianças, para evitar
que elas fiquem desnutridas ou
desidratadas. Damos multimistura, xaropes, e a igreja doa cestas
básicas", disse Lourdes.
Os bebês são pesados uma vez
por mês, e as mães recebem
orientação sobre cuidados e higiene. "Das 20 crianças registradas
na paróquia, apenas uma está
desnutrida", afirma Lourdes.
De 98 para 99, segundo a pastoral, houve um aumento de mais
de 100% da mortalidade em favelas atendidas pela entidade na região metropolitana de São Paulo.
Para Lourdes, uma saída para a
questão é a administração municipal buscar parcerias com grupos
que já trabalham com assistência
à infância e conhecem as reais necessidades e problemas.
"O próximo prefeito não vai
conseguir, sozinho, resolver muito. Essa possibilidade aumenta se
for estabelecida uma conversação
maior com os segmentos da sociedade que querem ajudar a melhorar a cidade", diz Kayano.
(MARIANA VIVEIROS)
Texto Anterior: Homicídios aumentam em bairro tradicional Próximo Texto: Ambiente determina sobrevivência Índice
|