São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 2000

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SP EM MOVIMENTO
Mortalidade infantil é acima da média da cidade em quase metade dos bairros; centro e áreas pobres lideram
Crianças morrem mais em 29 distritos

DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo teve uma queda de 11,2% na taxa de mortalidade na infância (0 a 4 anos) entre 94 e 99. Entretanto, 43 dos seus 96 distritos apresentam índices acima da média da cidade, e 29 tiveram aumento na taxa nesse período.
Os dados constam do Mapa da Exclusão/Inclusão Social 2000, fornecidos pelo Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade).
O índice médio de crianças entre 0 e 4 anos mortas na capital paulista foi, em 99, de 48,76 em cada 10 mil crianças vivas. Em 94, morreram 54,92 em cada 10 mil.
A diminuição é uma tendência verificada por outras instituições, como a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o IBGE e a Fundação Seade. Entre as causas estão melhorias no saneamento básico e no atendimento pré-natal e a adoção de soluções como a multimistura, que combate a desnutrição infantil.
Mas em distritos paulistanos do centro -como Cambuci, Sé e Pari- de regiões mais pobres das zonas leste -como São Lucas e São Rafael- e sul -como Cidade Dutra, Cidade Líder e Jardim Ângela- a mortalidade chegou a aumentar 40% entre 94 e 99.
Para o médico sanitarista Jorge Kayano, o fenômeno se explica pela má distribuição de renda, o que leva à formação de ilhas de riqueza e de pobreza. "O mapa mostra bem isso. Enquanto grande parte dos distritos e a própria cidade têm uma redução na mortalidade, algumas regiões mantêm índices elevadíssimos", afirma Kayano, que preside o Instituto Polis e participou da pesquisa.
No Cambuci, a mortalidade deu um salto de 44,83 mortes por cada 10 mil crianças, em 94, para 74,84 mortes em cada 10 mil em 99. Nesse período, a população na faixa etária de 0 a 4 anos no bairro caiu de 2.677 para 1.737 crianças.
Na opinião de especialistas, uma das possíveis explicações para o aumento das mortes no centro são as condições precárias de moradia nessa região, quase sempre velhas casas e sobrados invadidos. Outra possibilidade são as causas externas.
As mortes de crianças por causas externas foram as únicas que aumentaram de 1980 para 1999 no Estado de São Paulo, de acordo com dados da Fundação Seade. O número é pequeno em relação ao total -são apenas 2% das mortes-, mas são acidentes que poderiam ser facilmente evitados pelos próprios pais.
Em 1999, 303 bebês morreram de causas externas, como queimaduras, asfixia em lençóis e sacos plásticos e afogamento. Em 1980, foram 268 mortes.

Perda
"Quando vejo os garotos da vizinhança, penso em como Charles poderia estar, daqui a alguns anos, também brincando. Quero ter outros filhos, mas não agora. Ainda é muito cedo".
A declaração é de Sílvia Aparecida Pereira Guimarães, 20, desempregada. O primeiro filho dela, Charles, morreu no dia 30 de julho, aos 3 meses, em consequência de um resfriado que evoluiu para uma pneumonia.
O bebê passou 14 dias internado no Hospital Menino Jesus, três deles na UTI pediátrica. "Num domingo, um médico chamou todos os parentes para a visita. Eu fiquei por último. Ele olhou para mim e disse, num tom seco, que não tinha boas notícias, que meu filho tinha morrido", conta.
Sílvia mora na Liberdade (centro de SP). Entre 94 e 99, o distrito teve uma redução de 84,8 para 51,4 mortes por cada 10 mil crianças entre 0 e 4 anos. No ano passado 17 das 3.306 crianças nessa faixa etária morreram no bairro. Apesar da redução, o índice ainda é considerado alto.
"Já que o ideal de nenhuma morte não existe, usamos como parâmetro atual o menor índice encontrado na cidade de São Paulo no ano passado: 1 criança morta em 10 mil", afirma Dirce Koga,que coordenou a confecção do Mapa da Exclusão.

Ambiente
O marido de Sílvia faz bicos como jardineiro e pintor e ganha até R$ 400 por mês. O casal vive na parte inferior de um sobrado invadido e, apesar de limpa, a casa tem as paredes e o teto cobertos de mofo, em razão da umidade.
"Acho que foi por isso que meu filho ficou doente", diz Sílvia. Do lado de fora, próxima à casa, há uma fossa sanitária a céu aberto. "Entre as maiores causas de morte de crianças entre 0 e 4 anos estão os componentes ambientais", diz Jorge Kayano.
Segundo ele, saneamento, moradia, higiene, alimentação e nível de instrução dos pais são fatores decisivos na sobrevivência dessas crianças. Outra grande arma contra a mortalidade infantil, especialmente em menores de 1 ano, é o aleitamento materno.
"Eu não amamentei Charles porque ele não pegava no peito", afirmou Sílvia. "Mas ele era um menino saudável e sorridente". Segundo Lourdes Dilecta Giacomini, da Pastoral da Criança, a situação onde Sílvia mora seria pior se a entidade e a paróquia local não ajudassem os moradores das outras casas invadidas.
"Nós fazemos visitas e ficamos de olho nas crianças, para evitar que elas fiquem desnutridas ou desidratadas. Damos multimistura, xaropes, e a igreja doa cestas básicas", disse Lourdes.
Os bebês são pesados uma vez por mês, e as mães recebem orientação sobre cuidados e higiene. "Das 20 crianças registradas na paróquia, apenas uma está desnutrida", afirma Lourdes.
De 98 para 99, segundo a pastoral, houve um aumento de mais de 100% da mortalidade em favelas atendidas pela entidade na região metropolitana de São Paulo.
Para Lourdes, uma saída para a questão é a administração municipal buscar parcerias com grupos que já trabalham com assistência à infância e conhecem as reais necessidades e problemas.
"O próximo prefeito não vai conseguir, sozinho, resolver muito. Essa possibilidade aumenta se for estabelecida uma conversação maior com os segmentos da sociedade que querem ajudar a melhorar a cidade", diz Kayano.
(MARIANA VIVEIROS)



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