São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2005

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MARIA INÊS DOLCI

Mais luz

Começou, no dia 16 de outubro, o horário de verão. Mais uma vez, os brasileiros terão de acordar e dormir uma hora mais cedo. Sem entrar no mérito das vantagens em redução do consumo, e das dificuldades de adaptação a tamanha mudança no organismo de cada um, seria interessante discutir o modelo energético brasileiro.
O Brasil foi dotado, pela natureza, de um magnífico sistema hídrico, um dos mais ricos do mundo. Que deveria nos assegurar água para consumo doméstico, industrial e agrícola e para a geração de energia.
Ocorre que, em cada segmento desses, o Estado falhou e continua falhando. Permitiu-se, por exemplo, em São Paulo, a ocupação desordenada do solo, com invasão das chamadas áreas de mananciais. Não houve nenhum planejamento urbano, com oferta de empregos, serviços e lazer a fim de desconcentrar a população na capital paulista e nas cidades de seu entorno.
Resultado: nos anos em que a chuva é escassa e mal distribuída, tem-se de apelar ao racionamento de água. Igual incompetência permeia a oferta de energia. Nos últimos anos, investiu-se quase nada na geração de energia, em especial na proveniente das chamadas energias alternativas -eólica (dos ventos), solar (do sol), biomassa (vegetais) etc.
Em conseqüência desse descaso e da insuficiência de chuvas, tivemos, em 2001, a ameaça do apagão, ou seja, de blecautes em horários de pico de consumo de energia elétrica. O racionamento de energia afetou duramente a economia, pois as indústrias, governos e consumidores tiveram de cumprir metas rígidas de redução do consumo.
Foi criado, então, o ECE (Encargo de Capacidade Emergencial) -mais conhecido como seguro-apagão-, taxa cobrada mensalmente na conta de luz, para financiar a construção de usinas termelétricas, para impedir o racionamento de energia, e para repor as perdas financeiras impostas às concessionárias.
Os consumidores vêm pagando esse seguro com a promessa de que isso evitará novos racionamentos ou ameaças de apagão. Por que, então, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), divulgou, recentemente, que há forte risco de insuficiência de energia na região Nordeste, em 2009?
Na época do racionamento de energia, integrantes do partido hoje no poder, inclusive o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, debitaram a ameaça de apagão à falta de planejamento e de investimento do governo federal do então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Imaginou-se que agiriam de outra forma para evitar que tal crise retornasse ao Brasil. Mas parecem fazer nova "economia inteligente", semelhante à que fizeram com os recursos para combater a febre aftosa - que pode comprometer exportações de carne bovina de US$ 1 bilhão.
Para acabar com a desconfiança de que o dinheiro do seguro foi usado para outros fins, o governo tem de explicar:
- quanto foi arrecadado, até hoje, com o seguro-apagão;
- em que foi investida esta montanha de dinheiro;
- por que há ameaça de racionamento de energia na região Nordeste;
- se faltam recursos públicos, por que, neste governo, houve uma espécie de reestatização da área de energia?
Como Goethe, só pedimos "mais luz".

E-mail - midolci@yahoo.com.br


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