São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2008

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WALTER CENEVIVA

A campanha suja


Quando a campanha passa a mostrar recursos ilícitos, rompem-se as regras do jogo, estimulando reações em cadeia

TEM SIDO FREQÜENTE encontrar referências a ficha suja e campanha suja na mídia. No título desta coluna, suja é verbo, não adjetivo. Se fosse adjetivo qualificaria "campanha", como ocorre em ficha suja. Sendo verbo, indica ação de quem envereda pela ilegalidade, desborda da ética, especialmente nos debates na mídia eletrônica nas maiores cidades.
A ficha suja se volta para o passado daquele que se envolveu em processos criminais, desonrosos ou não. A campanha ilícita suja o retrospecto de quem ofende a ética. Quebra a dignidade do candidato e do pleito. Quer principalmente que, no futuro, o eleitor se prepare para novos excessos. De um modo geral, porém, são relativamente poucas as campanhas nas quais candidatos se sujaram com condutas inaceitáveis.
A maioria parece gostar de disputa animada, com entusiasmo e vigor. Os excessos, porém, transferem o fogo do debate para insultos, mentiras, boatos, com o anonimato sórdido. Esquecem das causas essenciais para a população. Consolidam-se e se concretizam nos aspectos pessoais desfavoráveis dos adversários, de suas famílias, de suas histórias, verdadeiros ou falsos.
Se o candidato for incapaz de defender idéias sem o rebaixamento da disputa, será incapaz de comportamento diverso no exercício do cargo. A luta, mesmo impetuosa, tem limites que, ultrapassados, devemos reprovar. Ao votarmos, cabe-nos ter presente a força dos interesses envolvidos, para todos, conforme sustentou a Justiça Eleitoral neste pleito, numa sucessão de bons anúncios.
Idealmente as campanhas políticas se destinariam a competições igualitárias. A votação eletrônica foi bom elemento material do equilíbrio democrático. A Justiça Eleitoral, hoje presidida pelo ministro Carlos Ayres Britto, tem garantido esse equilíbrio, cumprindo a Constituição e a lei. O artigo 37 da Carta se aplica à administração pública. Os grandes direitos individuais estão no artigo 5º. Os deveres gerais estão pormenorizados no Código Eleitoral e na legislação especial, nenhum deles destinado a restringir a liberdade democrática.
Quando, porém, a campanha passa a mostrar recursos ilícitos, rompem-se as regras do jogo, estimulando reações em cadeia, como se o pleito fosse confronto de torcidas nos campos de futebol. Isso acontece em outros países, mas não nos deve consolar.
A lei não prevê tudo, até pela cautela do legislador de não restringir as liberdades públicas, inerentes ao Estado democrático de Direito. Não há remédio totalmente eficaz para recompor as situações criadas pelos que erraram, salvo pela atenção do próprio eleitor, para mais além do combate a abusos do poder econômico, dos crimes em geral e na propaganda eleitoral.
Temos leis que se aplicam a situações muito mais graves do que a troca de desaforos nos debates televisivos ou radiofônicos, dos anúncios e dos blogs. Ocorre, porém, que a divulgação pelos meios eletrônicos, atinge a todos. Torna mais relevante a qualidade ética individual e coletiva de candidatos e partidos. Uma das formas de preservar a democracia é assegurar a dignidade de cada confronto. Valorizar o voto. Quando a campanha desborda desse limite, o que se espera do eleitor é que guarde na lembrança os que agiram mal.


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