São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2001

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Por causa da seca, agricultores do sertão da Paraíba trocam trabalho no campo por garimpos improvisados

Atrás de ouro, lavrador vira homem-bomba

Lalo de Almeida/Folha Imagem
O menino-bomba Sebastião Pereira, 16, que decidiu seguir os passos do avô e do pai; o adolescente afirma que é melhor trabalhar no garimpo à procura de ouro "do que ficar esperando a chuva"


FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PRINCESA ISABEL (PB)

A seca que atinge o Nordeste está levando agricultores do sertão da Paraíba a trocar o trabalho no campo pelo garimpo de ouro em minas precárias abertas em meio à caatinga, na região de Princesa Isabel (418 km de João Pessoa).
Esses lavradores são conhecidos no Estado como homens-bomba. Sem equipamentos de segurança, eles entram em buracos com até 60 metros de profundidade para detonar explosivos que carregam em pequenos sacos plásticos.
Crianças e adolescentes também ajudam os pais na atividade. Sebastião Edson Pereira, 16, faz parte de uma geração de homens-bomba. Ele decidiu abandonar a lavoura e hoje segue os passos do pai e do avô.
Dados da prefeitura mostram que, das 400 crianças e adolescentes que foram beneficiados no município pelo Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), 50 atuavam nos garimpos.
Tudo nos garimpos é improvisado. Os garimpeiros descem nos túneis, que têm em média 1,5 metro de diâmetro, sentados em um galho de árvore amarrado a uma corda. A corda é presa em um carretel feito com catracas de bicicleta e uma barra de ferro dobrada em forma de manivela.
O sistema, controlado por apenas um homem, fica suspenso sobre o buraco e é sustentado por vigas de madeira ou troncos de angico, árvore comum na região.

Sem iluminação
Os túneis de onde são retiradas as pedras fragmentadas pelas explosões não têm escoras nem iluminação. Todo o trabalho dos homens-bomba é feito à luz de velas, inclusive a instalação dos explosivos nas rochas.
A detonação é feita por meio de pavio. Assim que ele é aceso, os banqueteiros, como são chamados os garimpeiros da linha de frente, gritam para que sejam içados para fora do buraco. A operação lembra a retirada de um balde de água de um poço.
Após a explosão, eles esperam a saída da fumaça, descem de novo e iniciam a remoção das pedras fragmentadas, de onde esperam extrair o ouro. As rochas são colocadas em cestos feitos com pneus, chamados camburões.

Mortes
Relatos de acidentes com mortes são comuns, mas não há estatística sobre os casos. Toda a atividade de garimpagem na região é cercada de mistério. Não há informação oficial a respeito da extração e das negociações que envolvem a atividade.
Os explosivos mais comuns são a dinamite e o nitron, substância granulada adquirida por R$ 4 o quilo -quantidade suficiente para quatro "tiros" (explosões).
Segundo os garimpeiros, compradores da Bahia, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e do próprio Estado pagam R$ 15 pelo grama do ouro bruto.

Esgotamento
O sonho de enriquecimento, porém, parece distante para o sertanejo. Explorados à exaustão, os garimpos de Princesa Isabel, que atingiram o auge na década passada, hoje dão indícios de esgotamento. Várias minas foram abandonadas ao longo dos anos.
Há um ano trabalhando na extração de ouro com mais sete pessoas, o agricultor e homem-bomba Edval Braz, 31, nunca achou nem um grama do metal. Seu grupo cavou 30 buracos, mas agora só tem esperanças de encontrar riqueza em três deles.
"Isso aqui é igual a agricultura. Não rende, mas ninguém larga porque sempre tem esperança", diz. Mesmo quando a sorte chega, os lucros costumam ser pequenos. Dez por cento do que é achado fica para o dono da terra. O proprietário da máquina que tritura as pedras para a retirada do ouro fica com 20%. O que sobra é dividido pelos sócios.
Segundo o garimpeiro Inaldo Antas da Cruz, 25, há 12 anos na atividade, encontrar dois gramas do metal em 600 quilos de pedra "é um bom sinal". Isso significa um faturamento de R$ 21 para ser dividido entre os sócios.
Para os lavradores-garimpeiros, o valor é pequeno, mas ainda compensa. "Sem chuva, o cabra não trabalha na roça e não tem o que comer", diz José da Costa, 23. "Com um dinheirinho, pode fazer pelo menos uma feirinha."


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