São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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SAÚDE

Idoso com demência pode ser reabilitado

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Jantei e tomei o remédio", escreveu Berta, 81, no pequeno bloco de notas que fica na mesa da cozinha. Pela manhã, ela faz um círculo no calendário sobre o dia da semana. À noite, um "xis" no mesmo lugar, para saber que aquele dia já passou.
O "arsenal" com bloco, agenda e calendário faz parte de uma estratégia de reabilitação contra o distúrbio neurológico que a atingiu há seis anos, a doença de Alzheimer, a mais comum forma de demência.
Demências são desordens mentais que aparecem principalmente após os 60 anos . Elas são caracterizadas por perda de memória e de funções cognitivas, como atenção, linguagem e capacidade de planejamento, e afetam terrivelmente o cotidiano do paciente.
A doença de Alzheimer atinge aproximadamente 1% da população. Essa incidência chega a 20% aos 80 anos. Ela destrói áreas do cérebro progressivamente, começando por aquela em que fica a memória de longa duração, que nos permite lembrar em que dia estamos, o que comemos durante o dia ou se tomamos um remédio horas antes de dormir. O mal não tem causa definida e também não tem cura. Os medicamentos que existem têm bons resultados como paliativos.
Desde 97, grupos multidisciplinares de neurologistas, neuropsicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais começaram a aplicar em vários países técnicas de reabilitação nesses pacientes aliadas a remédios. "A reabilitação usa recursos ainda preservados do paciente para "esticar" sua independência", diz o neurologista Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, consultor da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer).

Recordações
As atividades de reabilitação podem ser em grupo ou individuais e acontecem no mínimo uma vez por semana. Utilizam calendários, agendas e cartazes como formas de orientação no espaço e no tempo. Para o resgate de informações, são usados textos, discussões e figuras. Os pacientes são treinados para atividades do dia-a-dia como atender ao telefone e preparar a agenda de compromissos. Há ainda espaço para atividades de entretenimento, como incentivo para que eles contem suas histórias de vida.
A memória remota dessa pessoas, aquela que guarda fatos do passado, como as lembranças da infância, é uma das últimas áreas a ser afetada pela doença. Por isso eles têm as recordações de anos atrás preservadas.
Estudos feitos no país mostraram que a estratégia, associada aos remédios, trouxe resultados até melhores do que o uso isolado de drogas em pacientes com a doença leve e moderada. Um trabalho apresentado pela equipe da neuropsicóloga Jacqueline Abrisqueta-Gomez, coordenadora-clínica do Sari (Serviço de Atendimento e Reabilitação do Idoso) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), durante o 3º Congresso Mundial de Reabilitação Neurológica, em abril, confirmou resultados de estudos internacionais com pacientes brasileiros. Eles apresentaram melhora das funções cognitivas e da qualidade de vida. Trabalho semelhante feito no Hospital das Clínicas de São Paulo mostrou a redução de estados ansiosos e depressivos.
De acordo com o psiquiatra Cássio Bottino, coordenador do Proter (Projeto Terceira Idade) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, acredita-se que o cérebro possa se recuperar se for estimulado. É o que se chama de "plasticidade neural", diz a neuropsicóloga do projeto, Renata Ávila. A partir do estímulo, as células nervosas restantes encontrariam novos "caminhos" ou conexões, ultrapassando os "obstáculos", que são as áreas lesionadas. A reabilitação, no entanto, não funciona para pessoas no estágio final da doença.


Onde buscar ajuda: Centro Paulista de Neuropsicologia do Sari, tel. 0/xx/11/ 5539-0155, ramal 182 ou 9; Proter, tel. 0/xx/11/3069-6973

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