São Paulo, domingo, 26 de julho de 1998

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Maioria toma remédio sem precisar

enviado especial a Santiago do Chile

Quase 60% de um grupo de 563 paulistanos que usaram medicamentos para emagrecer não precisariam nem deveriam ter tomado droga alguma. Outros 25% poderiam ter perdido peso usando outros recursos que não o remédio.
Quase 70% deles tomaram os medicamentos por mais tempo do que aconselham as sociedades médicas do Canadá e da Comunidade Européia.
Essas são algumas das conclusões de um estudo preliminar apresentado no encontro regional sobre o uso de anoréticos que a Organização Mundial da Saúde, a Opas e as Nações Unidas realizaram esta semana em Santiago do Chile.
O levantamento sobre anfetaminas vem sendo realizado por pesquisadores do Cebrid, um centro de estudos de droga e dependência ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O estudo já compilou os dados de 563 entrevistados que frequentam os grupos Vigilantes do Peso em São Paulo.
Outras 2.000 entrevistas já foram feitas e um número ainda maior será realizada em várias capitais.
Solange Nappo, pesquisadora do Cebrid e coordenadora do trabalho, diz que mais de 90% dos entrevistados são mulheres, pois esta é a proporção dos que frequentam as reuniões dos grupos de Vigilantes do Peso.
"Aqui está uma prova de que o problema dessas pessoas não é de saúde, mas sim a busca de uma imagem corpórea tida como a ideal", diz a pesquisadora.

Fórmulas

De todos os entrevistados que já tinham utilizado drogas -cerca de 65% do total-, 63% afirmaram ter tomado combinações preparadas em farmácias magistrais, onde é maior o risco de mistura de substâncias.
Na média, essas pessoas já haviam feito três tratamentos para perder peso. Vários relataram ter realizado entre cinco e nove tratamentos.
Entre os que estavam tomando drogas, 13,5% tinham um índice de massa corpórea (IMC) inferior a 25, o que significa que estavam dentro do peso. Outros 20,7% tinham o IMC entre 25 e 27, necessitando apenas de mudanças na dieta. Cerca de 25% estavam entre 27 e 30, excesso que poderia ser perdido com exercícios e mudanças na alimentação.
Segundo Solange Nappo, apenas 40% do que estavam sendo medicados deveriam estar recebendo drogas, e ainda assim apenas como tratamento auxiliar.

Descuido médico
Numa pesquisa anterior, o Cebrid contatou homens e mulheres que passaram por 71 consultas em clínicas de emagrecimento de São Paulo e 36 em clínicas do Recife.
Segundo Solange, todas as pessoas tinham o IMC abaixo de 27, logo, não deveriam tomar medicamentos.
Nas 71 consultas feitas em São Paulo, 63 pacientes saíram com receitas, 57 delas com associações para ser aviadas em farmácia de manipulação. No Recife, das 36 consultas, 29 terminaram com a prescrição de drogas.
Segundo Solange, só 44% dos médicos de São Paulo e 38% do Recife perguntaram aos pacientes se tinham problemas cardiovasculares ou de pressão arterial.
Um número parecido -37% em São Paulo e 41% no Recife- perguntou sobre diabetes. Em todos esses casos, os anoréticos devem ser evitados.
Menos de 5% dos médicos perguntaram se o paciente tinha problemas com álcool e drogas. Seu uso indica que pode ter um risco aumentado de dependência se vier a tomar anoréticos.
Apenas 6% dos médicos tinham recomendado a seus pacientes que não aumentassem a dose dos medicamentos, prática adotada com frequência. E menos de 1% dos profissionais tinha advertido os pacientes sobre as reações adversas das drogas que iriam tomar.
"O estudo concluiu que as pessoas saíam do consultório sem nenhuma orientação", afirmou Solange. Segundo ela, a descaso retratado no estudo reflete o perfil de clínicas que proliferaram nos grandes centros até três anos atrás. Ela acredita que a postura dos médicos tenha atualmente mudado bastante.
(AB)


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