São Paulo, quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

O computador que nasceu do lixo


Percebeu que as grandes empresas não sabiam o que fazer com suas máquinas, e aí encontrou uma oportunidade


NUM GALPÃO de 1.800 m2, 22 trabalhadores recrutados em uma favela das redondezas conseguem produzir um computador que custa R$ 199, com capacidade de acesso à internet e garantia de um ano. A inspiração do negócio não saiu dos planos de laboratórios de engenharia americanos que propuseram o computador de US$ 100. Saiu, literalmente, do lixo.
Na década de 1950, Jair Martinkovic tinha nove anos de idade e morava num cortiço na zona norte de São Paulo. Para ganhar uns trocados, revendia latas e garrafas encontradas no lixo. Mas não as vendia por peso.
Montou no quintal de sua casa uma pequena oficina de remanufatura, transformando os objetos descartados em produtos de valor. "Assim, eu conseguia mais dinheiro." Como, naquela época, muitos animais circulavam, especialmente pela periferia, ele vendia esterco embalado. Era motivo de piada, chamado na rua de "Jair Merdeiro". Estava aí a base do negócio que ele inventaria, muitos anos depois, para vender computadores baratos.

 


Jair descobriu cedo o talento de comerciante. Como vendedor de uma loja, conseguiu pagar a mensalidade de uma faculdade privada e se formou em contabilidade. Muito tempo depois, montou uma empresa de processamento de dados (Planac) e, com o tempo, vendeu equipamentos de informática -aceitava, como parte do pagamento, máquinas antigas.
Percebeu que grandes empresas não sabiam o que fazer com seus microcomputadores velhos, encostados em algum almoxarifado e tomando espaço. Apostou que estava diante de uma oportunidade. "Lembrei-me da minha primeira fonte de renda, quando eu era menino."
Propôs, então, uma troca. As empresas dariam os computadores sem nenhum custo. Uma parte voltaria remanufaturada -ou seja, depois das reformas, poderiam continuar em serviço. Um banco (Bradesco) estava com 20 mil micros encostados e topou a proposta -o lote de máquinas que voltaria não seria destinado para o banco, mas para projetos educativos. "O que sairia mais caro veio de graça."
Descobriu que, nessas bases, uma máquina de R$ 199 daria lucro.

 


Alugou o galpão, treinou um grupo de moradores de favela para remanufatura e saiu vendendo seu produto. Bateu na porta de sindicatos e convenceu-os a financiar o computador aos afiliados. Mas não se falava em internet -linha discada, afinal, é proibitiva. Jair aposta que a banda larga vai se expandir nas classes C e D. Na semana passada, ele sensibilizou uma universidade privada (Uniesp) a comprar seu produto e a financiá-lo em 24 vezes aos estudantes, com descontos nas mensalidades.
"A máquina é limitada. Não dá para baixar jogos nem vídeos. Mas dá para ajudar nos estudos."

 


Há uma série de limitações. O projeto não possui ainda infraestrutura para uma produção gigante e sempre dependerá das doações. Mas, no mínimo, a experiência serve como homenagem ao menino "Jair Merdeiro" -que, afinal, foi convertido em inventor.

gdimen@uol.com.br


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