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MOACYR SCLIAR
A dança das cadeiras
A presidência da Câmara Municipal
de Serra, no Espírito Santo, fez uma
compra de material inusitado para
os vereadores da Casa. São 17 poltronas de couro, anatômicas, reclináveis, dotadas de controle remoto que
ativa um sistema eletrônico de massagem nas costas e na nuca. Foram
gastos R$ 62.900.
Cotidiano, 21 de
março de 2006
A aquisição das 17 confortáveis poltronas provocou,
como era de esperar, muita controvérsia no país. Por causa disso
um grupo de cientistas resolveu
testar a possível correlação entre
as referidas poltronas e o desempenho dos parlamentares que nelas eventualmente tomassem assento. Cinco ex-vereadores dispuseram-se voluntariamente para
servir como cobaias para a experiência. Como disse um deles:
"Sempre tive costas largas, agora
está na hora de massageá-las um
pouco".
O objetivo dos cientistas era
avaliar a produtividade dos ex-edis quando sentados nas cadeiras. Esta produtividade, por sua
vez, seria expressa pelo número
de projetos de leis formulados durante as várias fases do teste.
Os resultados foram surpreendentes. Verificou-se que o número
de projetos de lei crescia na proporção direta da velocidade da
vibração massageadora; ou, como observou espirituosamente
um dos cientistas, quanto mais
vibração, mais os ex-vereadores
vibravam. Vibravam e tinham
idéias. Um deles chegou a formular nada menos que oito projetos
de lei em apenas 15 minutos de
massagem com alta freqüência.
Surgia então um efeito paradoxal. A certa altura, indivíduos testados caíam no sono, dois ou três
roncando sonoramente. Não chegava a ser um efeito inesperado;
afinal, uma das coisas que acontecem para quem senta em poltrona confortável é exatamente
isso, um sono profundo e reparador. Mas havia um detalhe curioso. Ao despertar, os voluntários
relatavam que haviam sonhado.
E o sonho era notavelmente igual:
todos eles viam-se de volta à Câmara de Vereadores, ganhando
polpudos salários e contando com
a entusiástica aprovação dos
eleitores.
Mas havia uma exceção. Um
dos vereadores, o mais velho deles, chegou à conclusão de que a
poltrona, embora perfeita, não
era compatível com a função parlamentar. Afinal, disse, vereadores são pagos não para receber
massagens ou para sonhar, mas
para trabalhar. E para isto, argumentava, talvez seja melhor uma
cadeira dura do que uma poltrona macia.
Os outros não estavam de acordo com tal idéia. E lembraram
que o ex-vereador estava, na verdade, falando de barriga cheia:
recentemente tinha casado de novo, com uma mulher muito mais
jovem do que ele, uma conhecida
massagista. Ou seja: o homem tinha massagem a domicílio. Não
precisava de poltronas especiais
para isto, podia contar com mãos
suaves e macias.
Enfim, os ex-vereadores apoiaram totalmente a compra das
poltronas. Um deles disse que, se
fosse eleito, seu primeiro projeto
de lei teria por objeto exatamente
isso, a aquisição de poltronas similares. A democracia precisa de
bases confortáveis.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.
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