São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2007

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Justiça demora 2 anos para decidir sobre furtos de R$ 1

Processos custam, em média, quase 2 mil vezes mais para os cofres do Poder Público do que o valor dos objetos furtados

Levantamento em cinco capitais identificou seis casos de pessoas processadas por furto de R$ 1; quatro foram presas

Bruno Miranda/Folha Imagem
João (nome fictício), 19 anos, segura nota de R$ 1; ele ficou um mês preso por roubo no valor de R$ 1,47


GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Por furtos de só R$ 1, brasileiros ainda vão para a cadeia e a Justiça perde tempo e dinheiro. Por R$ 1, processos tramitam por mais de dois anos e custam, em média, quase duas mil vezes mais. Por R$ 1, pessoas ficam presas por até dois meses e custam 30 vezes mais só por um dia na cadeia.
Levantamento em cinco capitais -São Paulo, Recife, Porto Alegre, Belém e Distrito Federal - identificou ao menos seis casos de pessoas processadas pelo furto de objetos no valor de R$ 1. Quatro delas foram presas e passaram ao menos um dia na cadeia.
Dos seis casos, o processo mais rápido até a sentença em primeira instância levou 2 anos e 1 mês. O mais lento tramitou por 4 anos e 7 meses.
"Jamais esperava encontrar casos de furto de R$ 1. Pior: com denúncia do Ministério Público e condenação pela Justiça", diz a promotora Fabiana Costa Oliveira Barreto, autora da pesquisa. O estudo subsidiou sua dissertação de mestrado em direito na UnB (Universidade de Brasília).
Se estendermos para furtos (sem uso de violência ou ameaça) para até R$ 8, a pesquisa identificou 26 pessoas processadas -19 foram presas- entre 2000 e 2004. A Folha também achou casos mais recentes.
A promotora analisou amostra de 2.600 casos, entre processos e inquéritos. Descobriu que a prisão provisória é adotada na maioria dos episódios de furto -incluindo todos os valores- e boa parte dos presos fica mais de 100 dias na cadeia sem julgamento, contrariando legislação penal.
Também na maioria dos casos os acusados ficam mais dias em prisão provisória (antes do julgamento) do que o período determinado na sentença final.
São os dados sobre os valores irrisórios dos furtos, porém, que mais impressionam. Das cinco capitais pesquisadas, São Paulo, Recife e Distrito Federal apresentaram pelo menos um caso de furto no valor de R$ 1 que acabou em processo.
Na capital paulista, Márcio Franco foi acusado de furtar uma latinha de cerveja em 2000 (R$ 1). Ficou 57 dias preso. O processo durou dois anos e, no final, a condenação foi extinta -pelo princípio da insignificância, a pena pode não ser aplicada em casos de furtos de valor irrisório.
Franco tinha 25 anos na época. Era viciado em crack. O tempo de prisão não serviu para sua reabilitação. Quando ele saiu, roubou a bolsa de uma mulher. Hoje, ele cumpre pena no interior paulista.
"O problema só piora. Após passar por uma prisão, é muito difícil se ressocializar", diz a promotora, que defende mudança na legislação para evitar a prisão nesses casos e abreviar a tramitação do processo.

Nem o papel
"Só de papel e tinta, já vai esse valor", diz a defensora pública em São Paulo Marina Hamud de Andrade.
Não há dados precisos sobre o custo de um processo para os cofres públicos -os gastos são na polícia, Promotoria, Justiça e prisões. Estimativa feito no Diagnóstico do Poder Judiciário, da Secretaria Nacional de Reforma do Judiciário, aponta um custo médio de R$ 1.848,00 por caso na Justiça comum.
Um preso custa, em média, R$ 1.000,00 por mês, segundo o Ministério da Justiça -R$ 33 ao dia. Só o deslocamento de um preso para uma audiência em São Paulo custa R$ 2.500, diz a Secretaria Estadual de Gestão Pública.
"O valor furtado não cobre nem o do cartucho para imprimir a sentença", afirma o juiz Marcelo Semer. Em 2006, ele absolveu um jovem que tinha furtado um rolinho de pintura no valor de R$ 1,67. "Em muitas câmaras [da Justiça], se não está escrito na lei, não existe. Só que o direito é maior que a lei."


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