São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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Droga chega ao cérebro em 10 segundos

Médicos afirmam que tratamento de viciados em crack exige sessões de psicoterapia, uso de tranqüilizantes e até antipsicóticos

Literatura médica diz que consumo da droga provoca problemas principalmente nos sistemas nervoso e circulatório e nos pulmões


RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando se fala do crack, o adjetivo "rápido" é obrigatório. É a droga que, após o consumo, mais rapidamente causa sensação de prazer. Os efeitos de bem-estar, no entanto, esvaem-se com a mesma velocidade. O crack é o entorpecente que mais rapidamente vicia. E é o que com mais rapidez destrói o organismo do usuário.
É uma espécie de primo pobre da cocaína. Ambos têm origem na pasta de coca. O crack é mais barato (a pasta não precisa ser refinada) e mais potente (em vez de ser aspirado ou injetado, é consumido como vapor, em maior concentração).
O usuário inala o crack pela boca -o nome vem do estalo produzido no cachimbo quando a pedra é aquecida. Em dez segundos, a droga já está no cérebro. A "viagem" é imediata.
É difícil que um consumidor de crack migre para a cocaína. Ele não se contentaria com uma droga mais leve e que demora para dar prazer.
"No final, o que conta não é o prazer do crack, mas o desprazer que é ficar sem o crack. É uma droga muito barra pesada", diz a psiquiatra Analice Gigliotti, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas).
Quando chega ao cérebro, o crack dispara a liberação da dopamina, o neurotransmissor que dá sensação de prazer. O usuário experimenta sensações de bem-estar, energia e euforia. De forma natural, a dopamina é liberada no organismo pelo sexo e pela comida.
Com o tempo, a droga deixa de ter o mesmo efeito, e o viciado precisa de doses mais altas para se satisfazer. Com a mente afetada, ele fica agressivo e desenvolve a chamada paranóia, uma mistura de desconfiança com mania de perseguição.
"Tivemos um paciente -nunca vou me esquecer- que, quando saiu da observação, começou a quebrar tudo aqui dentro. Tivemos de chamar a polícia", conta a médica sanitarista e psiquiatra Luizemir Lago, diretora do Cratod, um centro estadual de tratamento de viciados localizado no centro de São Paulo.
As quantidades crescentes de crack têm efeitos devastadores sobre o organismo. A literatura médica aponta, como decorrência, mais de 50 problemas de saúde, principalmente nos sistemas nervoso e circulatório, nos rins e nos pulmões.
O vapor quente que se inala queima os pulmões. Enquanto quem fuma cigarro precisa de pelo menos três décadas para desenvolver enfisema pulmonar, no caso de quem usa crack bastam poucos anos. A doença pode levar à morte.
A droga compromete irreversivelmente o funcionamento dos neurônios, o que atrapalha a cognição e a concentração. Acelera o coração e aumenta a pressão arterial. Com o tempo, o viciado pode ter um infarto do miocárdio e, em casos mais graves, uma parada cardíaca.
O tratamento exige sessões de psicoterapia e remédios, principalmente tranqüilizantes. Quando a mania de perseguição é muito forte, a pessoa também precisa de antipsicóticos. "O tratamento é demorado e caro", afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Unifesp.
Mesmo que a pessoa consiga se recuperar do vício, não pode se descuidar. "Ela é dependente para sempre", diz Pedro Eugênio Ferreira, psiquiatra do Hospital São Lucas e professor da PUC do Rio Grande do Sul. "É como uma vela que queima até metade e você guarda na gaveta. Se você acendê-la 20 anos depois, ela vai recomeçar a queimar do ponto onde havia parado. Ela não se restaura."


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