São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2008

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Aos 11, após 7 "passagens" em DPs, menino vai para abrigo

Garoto furtou carro na última segunda; na quinta, ele já havia feito o mesmo com outro veículo

"Estou torcendo para que ele fique lá bastante tempo", afirma a mãe; decisão que determinou ida a abrigo ocorreu na sexta-feira

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Com roupas de marca e tênis da Nike, ele andava pelo Jardim Ubirajara, na zona sul de SP, com a cabeça erguida "e um jeito de malandro" (diz a mãe) no falar. "Qual é, tio?", dizia a quem cruzasse o caminho, na rua ou nos bailes funk a que ia, sozinho, "atrás de "minas'". Isso até anteontem, quando foi para um abrigo, por decisão judicial, após ter sido pego dirigindo um veículo furtado. Foi sua sétima passagem pela delegacia. Ele tem 1,40 m de altura e 11 anos.
"Estou torcendo para ele ficar lá bastante tempo", diz a mãe. É no abrigo que ele deve fazer 12 anos em 5 de setembro. "Pra ele é melhor. Aqui, a vida dele ia acabar sendo curta."
Sua ficha suscita o riso no 80º DP, onde estão seis das sete ocorrências registradas em menos de um ano -uma por arrombar um comércio, duas por dirigir sem habilitação, três por furto de veículos e uma por atentado ao pudor (tirou a calça e mostrou os órgãos genitais, não se sabe para quem).
A última foi segunda: ele foi pego pela polícia, em alta velocidade, com um Chevette furtado por ele e três colegas (de 14, 15 e 16 anos). Ele, o menor, dirigia -o que já faz desde os oito. Na quinta, ele já havia sido pego após furtar um Gol.
Tanto que o Conselho Tutelar de Santo Amaro encaminhou, na sexta, um relatório à Vara da Infância e Juventude local (que ganhou um "adendo" na segunda). O teor é segredo de Justiça. Mas, no mesmo dia, a juíza Tatiana Regueira determinou a ida dele para o abrigo.
"Agora, quem sabe, ele melhore", diz a mãe, uma diarista que tem tido dores de cabeça constantes, enquanto o pai, um auxiliar de limpeza desempregado, vomitava no banheiro -"o problema no estômago só fez piorar", diz, resignada.
Sentada na mesa da cozinha, cigarro na mão, ela olha para duas canecas penduradas na janela. "A do São Paulo é dele. A do Santos, ele comprou pra mim", diz, chorando, ao lembrar da rotina de adulto do menino. "Fica tranquila, mãe, eu vou ali e já volto", dizia, ao beijá-la no rosto e sair para bailes funk. Só voltava no outro dia.
"Ele não é moleque de brincadeira com criança, gostava é de conversar com adulto", diz a mãe -sobre carros e mulheres.
"Não admitia que ninguém comprasse nada pra ele", afirma ela. Ia sozinho ao shopping Interlagos comprar com o próprio dinheiro, "que de coisa boa não era". "O negócio dele era dinheiro e roupa."
Foi a "influência de pessoas da escola", pensa a mãe, a culpa pelos delitos. Com um portão de ferro e duas grades com cadeados, foi a escola Antenor Nascentes que ele largou há três anos, na segunda série, por desavenças com a professora. "Ela colocava apelido [nele] de "zoião'", conta a mãe. "Tem gente que vê meu filho como "nossa, que bandido", mas é isso uma capa. Por trás daquela capa, ele é um ótimo menino."
Menino que agora vive sob uma medida "protetiva", segundo Thales Oliveira, promotor de Justiça da Vara da Infância e da Juventude da capital -para quem ninguém pode obrigá-lo a permanecer no abrigo. "Em geral, a criança fica porque acha que está presa."
No caso, Conselho Tutelar, Vara da Infância, vizinhos e pais concordam: querem que ele fique longe do crime. "Espero que ele fique lá até aprender a ler e escrever. Hoje, ele só escreve o nome", diz a mãe. O nome está escrito com canetinha no muro da casa pobre de concreto cinza -dizem as crianças da rua, feito por ele mesmo.


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