São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 2006

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ARTIGO

São Paulo merece a sua atenção

LÚCIO GOMES MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Confira com seus avós: São Paulo no IV Centenário era uma cidade extremamente agradável e acolhedora. Não queria mais ser uma versão tropical de Paris, mas procurava fazer jus à fama de "cidade que mais cresce no mundo". Edifícios altos, arquitetura moderna, procura de certa vanguarda.
Também é verdade que os diversos "projetos de melhorias" nunca foram implantados em sua totalidade: a fama de eldorado levou a cidade a ser tratada, com lamentável freqüência, como um assentamento provisório, onde o que importa é o mais rápido e o mais barato.
Qualidade fica para depois e a conta quem paga é o próximo. De fato, o que se tem é uma discussão de surdos. Todos gritam e ninguém se entende. E como não se busca entendimento, cada um por si, porque o que é de todos, não tem dono.
O resultado está aí: espaços desordenados, edifícios sem expressão ou, ao contrário, querendo sobressair sobre vizinhos, destruição de grande parte do patrimônio construído e da ambiência elogiada décadas atrás, poluição e desperdício.
A solução para a desordem foi, normalmente, gritar mais alto: o edifício comercial foi mal construído ou precisa de obras de conservação? O vizinho está vendendo bem? Vamos pendurar uma placa gigantesca, de cores berrantes! A vista é bonita e todos gostam de apreciá-la? Por que não um enorme "back-light" visível a centenas de metros?
Uma rota equivocada adotada sem muita resistência, parte do conjunto de incríveis realidades urbanas que nos acostumamos a fingir que não vemos: miséria, fome, crianças desamparadas, sujeira, entre outras.
O projeto do Executivo aprovado na Câmara nada mais faz do que retroceder para retomar o rumo. Sem dúvida, é uma pequena parcela para que a cidade, pretendente a pólo da economia globalizada, deixe de buscar a aparência de uma feira medieval. Trata-se de uma ação típica de gestão municipal, visando à melhoria da qualidade ambiental e viável com os parcos recursos disponíveis.
O estranhamento de alguns se deve à longa ausência de medidas nesse sentido. Ao contrário do Rio, Paris ou Nova York, não temos o hábito de buscar o bairro mais agradável, a cidade mais bonita e acolhedora.
Outros alegam que a cidade, com menos anúncios, ficará mais triste e que a profusão de mensagens serve para camuflar uma cidade feia. Alguém classificaria as cidades acima citadas como mais tristes que São Paulo? Ao contrário, têm atividade comercial equivalente, a qual nunca foi prejudicada por inexistir poluição visual sequer comparável à nossa.
Atrás da publicidade exterior há várias cidades em São Paulo: a projetada e a não projetada; a legal e a ilegal; a rica e a pobre. Num primeiro momento, será possível constatar esses contrastes, mas, logo depois, poderemos construir espaços públicos e privados que não necessitem de camuflagem e dos quais poderemos nos orgulhar.
No entanto, de imediato, veremos valorizado um admirável patrimônio arquitetônico preservado a duras penas, muitas vezes em confronto com os mesmos interessados em desmerecer o público para valorizar o privado.
Evidentemente, esse projeto não resolverá todos os problemas da cidade, mas é um começo. A seqüência imediata é a proposição de padrões para os demais elementos que compõem a paisagem urbana.
O Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de São Paulo, tem defendido, ao longo de sua história, a necessidade de elevação dos padrões dos projetos e das obras públicas.
Para o mobiliário urbano, defende a organização de concurso para a escolha dos projetos que deverão passar à propriedade do município. Dessa forma, empresas exploradoras de mobiliário urbano seguirão os mesmos padrões.
Num futuro próximo, deveremos iniciar um novo capítulo. A instituição da prática continuada de ações de desenho urbano, atividade quase desconhecida entre nós. Projetos integrados para áreas da cidade, compreendendo planos de massa, diretrizes visuais e paisagem local, para construir e reconstruir a nossa cidade de maneira digna. Exemplos não faltam em cidades admiradas pela sua qualidade de vida, em todo o mundo.


LÚCIO GOMES MACHADO é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e vice-presidente Instituto de Arquitetos do Brasil -Departamento de São Paulo


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