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ARTIGO
São Paulo merece a sua atenção
LÚCIO GOMES MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Confira com seus avós: São
Paulo no IV Centenário era
uma cidade extremamente
agradável e acolhedora. Não
queria mais ser uma versão tropical de Paris, mas procurava
fazer jus à fama de "cidade que
mais cresce no mundo". Edifícios altos, arquitetura moderna, procura de certa vanguarda.
Também é verdade que os diversos "projetos de melhorias"
nunca foram implantados em
sua totalidade: a fama de eldorado levou a cidade a ser tratada, com lamentável freqüência,
como um assentamento provisório, onde o que importa é o
mais rápido e o mais barato.
Qualidade fica para depois e a
conta quem paga é o próximo.
De fato, o que se tem é uma
discussão de surdos. Todos gritam e ninguém se entende. E
como não se busca entendimento, cada um por si, porque
o que é de todos, não tem dono.
O resultado está aí: espaços
desordenados, edifícios sem
expressão ou, ao contrário,
querendo sobressair sobre vizinhos, destruição de grande parte do patrimônio construído e
da ambiência elogiada décadas
atrás, poluição e desperdício.
A solução para a desordem
foi, normalmente, gritar mais
alto: o edifício comercial foi
mal construído ou precisa de
obras de conservação? O vizinho está vendendo bem? Vamos pendurar uma placa gigantesca, de cores berrantes! A vista é bonita e todos gostam de
apreciá-la? Por que não um
enorme "back-light" visível a
centenas de metros?
Uma rota equivocada adotada sem muita resistência, parte
do conjunto de incríveis realidades urbanas que nos acostumamos a fingir que não vemos:
miséria, fome, crianças desamparadas, sujeira, entre outras.
O projeto do Executivo aprovado na Câmara nada mais faz
do que retroceder para retomar
o rumo. Sem dúvida, é uma pequena parcela para que a cidade, pretendente a pólo da economia globalizada, deixe de
buscar a aparência de uma feira
medieval. Trata-se de uma ação
típica de gestão municipal, visando à melhoria da qualidade
ambiental e viável com os parcos recursos disponíveis.
O estranhamento de alguns
se deve à longa ausência de medidas nesse sentido. Ao contrário do Rio, Paris ou Nova York,
não temos o hábito de buscar o
bairro mais agradável, a cidade
mais bonita e acolhedora.
Outros alegam que a cidade,
com menos anúncios, ficará
mais triste e que a profusão de
mensagens serve para camuflar
uma cidade feia. Alguém classificaria as cidades acima citadas
como mais tristes que São Paulo? Ao contrário, têm atividade
comercial equivalente, a qual
nunca foi prejudicada por inexistir poluição visual sequer
comparável à nossa.
Atrás da publicidade exterior
há várias cidades em São Paulo:
a projetada e a não projetada; a
legal e a ilegal; a rica e a pobre.
Num primeiro momento, será
possível constatar esses contrastes, mas, logo depois, poderemos construir espaços públicos e privados que não necessitem de camuflagem e dos quais
poderemos nos orgulhar.
No entanto, de imediato, veremos valorizado um admirável patrimônio arquitetônico
preservado a duras penas, muitas vezes em confronto com os
mesmos interessados em desmerecer o público para valorizar o privado.
Evidentemente, esse projeto
não resolverá todos os problemas da cidade, mas é um começo. A seqüência imediata é a
proposição de padrões para os
demais elementos que compõem a paisagem urbana.
O Instituto de Arquitetos do
Brasil, Departamento de São
Paulo, tem defendido, ao longo
de sua história, a necessidade
de elevação dos padrões dos
projetos e das obras públicas.
Para o mobiliário urbano, defende a organização de concurso para a escolha dos projetos
que deverão passar à propriedade do município. Dessa forma, empresas exploradoras de
mobiliário urbano seguirão os
mesmos padrões.
Num futuro próximo, deveremos iniciar um novo capítulo. A instituição da prática continuada de ações de desenho
urbano, atividade quase desconhecida entre nós. Projetos integrados para áreas da cidade,
compreendendo planos de
massa, diretrizes visuais e paisagem local, para construir e
reconstruir a nossa cidade de
maneira digna. Exemplos não
faltam em cidades admiradas
pela sua qualidade de vida, em
todo o mundo.
LÚCIO GOMES MACHADO é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e vice-presidente Instituto de Arquitetos do Brasil
-Departamento de São Paulo
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