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Debaixo de chuva, até grávidas enfrentam fila para mantimento
Para receber comida e água, milhares de desabrigados de Itajaí aguardam até seis horas no prédio do Corpo de Bombeiros
Insuficientes, cestas básicas tiveram de ser repartidas; mesmo sem haver previsão, milhares continuavam à espera de mais suprimentos
ALENCAR IZIDORO
ENVIADO A ITAJAÍ (SC)
Debaixo de uma chuva insistente, Érica Dias Santos, 21,
carrega uma criança de um ano,
nove meses e 15 kg no colo, mas
se enfileira atrás de outros 500
desabrigados para conseguir
um saco de arroz ou feijão, uma
lata de óleo, uma garrafa de
água, um pacote de farinha.
Atrás dela, Sidnéia Viliane
Vaz, 24, grávida de nove meses,
nem se arrisca a utilizar a barriga saliente para tentar passar
na frente dos demais. "Não dá.
Olha quanto idoso tem ali",
mostra ela para a reportagem.
Elas são somente mais duas
dentre milhares de habitantes
de Itajaí (SC) que começaram
ontem, desde cedo, a correr
atrás da oferta de água, comida
e mantimentos depois de perderem suas casas para a chuva.
A fila em busca de ajuda era
de dobrar quarteirão durante a
tarde no prédio do Corpo de
Bombeiros em Cordeiros, um
dos sete que passaram a fornecer os produtos ao município.
Partilha
Os primeiros, cientes da promessa de auxílio já no dia anterior, chegaram antes das 7h,
mas foram atendidos somente
seis horas depois, quando chegaram três caminhões com
mantimentos -dois do Exército e um com doações diversas
de particulares, sempre devidamente escoltados com homens
armados para evitar saques.
Insuficientes para todos, as
cestas básicas tiveram de ser
repartidas. Uns ganharam farinha, outros papel higiênico e
assim por diante.
No total, foram atendidos em
torno de 2.000 desabrigados. E
todos tiveram direito a uma
garrafa de meio litro de água
mineral.
Às 15h toda a comida já tinha
acabado e não havia previsão de
quando chegariam mais mantimentos para suprir as necessidades de outras centenas que
se acumulavam na fila.
Renaldo Onofre Laureano
Jr., capitão do Corpo de Bombeiros, ainda passava para alertar a todos: "Não há nenhuma
previsão de quando chegarão
os próximos caminhões".
Na laje
Mas quase todo mundo decidiu insistir. Se fossem para casa, a condição, ao menos no
quesito conforto, não seria
muito diferente. "Estamos em
cinco famílias numa casa de
dois quartos", contou à Folha
Elisângela Renato, 31, que teve
que ir morar com amigos após
ver seu imóvel inundado praticamente até a altura da cabeça.
"Perdi tudo, estou sem nada.
Fui morar com minha família
na laje do vizinho. Mas ele
colocou um cobertinho lá pra
gente", afirmou Jean Rogério
Silva, 31, que trabalha com
caminhão de lixo e era mais
um dos enfileirados atrás de
alimentos.
Na explicação do capitão
Laureano Jr., dos bombeiros, a
justificativa para tanta gente
numa fila de horas para conseguir alguns poucos mantimentos em Itajaí estava ligada não
apenas à pobreza, mas também
ao desespero com a situação
futura.
"São pessoas que perderam
tudo. Algumas não têm dinheiro mesmo. E as outras precisam guardar aquilo que
têm para recomeçar uma nova
vida."
Sem preferência
Roseana Barbieri Boer, 31,
grávida de seis meses, foi uma
das poucas que parecia tentada
a desistir na tarde de ontem.
Desde que a água da chuva
chegou ao teto da sua casa, ela
foi morar com a cunhada. Mas
não só ela. Aglomeraram-se parentes, amigos e, no total, havia
18 adultos e crianças dormindo
em três quartos.
Roseana, que fazia aniversário ontem, ainda tentou conseguir prioridade na fila devido à
gravidez. Não conseguiu convencer os bombeiros.
"Vou jogar aberto: numa situação dessas, não tem como
dar preferência", alegou Laureano Jr., para quem a prioridade a idosos ou gestantes poderia inclusive levar famílias a
deslocá-los só para pegar mantimentos a cada instante -e
passando na frente dos demais.
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