São Paulo, Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1999


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JEITO BRASILEIRO

Pesquisa indica que o crime ocorre em 55% dos casos; cartórios deveriam exigir documentos

Pai registra adotado como filho legítimo

HISTÓRIAS REAIS WAGNER OLIVEIRA
da Agência Folha, em Curitiba

Uma pesquisa realizada com cerca de 500 famílias brasileiras indica que a maioria das adoções de crianças é feita ilegalmente.
As chamadas "adoções à brasileira" -registro em cartório como filho legítimo de uma criança doada pela mãe biológica sem o conhecimento da Justiça- foram realizadas por 55% das famílias que responderam à pesquisa da Universidade Federal do Paraná.
Mas nem só as famílias agiram ilegalmente. Os cartórios que fizeram esses registros deixaram de pedir um documento emitido pelos hospitais atestando o nascimento, o que é exigido por lei.
O registro falso é crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Penal. Os infratores podem perder a guarda da criança e estão sujeitos a penas de seis meses a seis anos de prisão.
A pesquisa foi desenvolvida durante quatro anos. As famílias responderam a um questionário com 75 perguntas. Uma das questões indagava se a adoção tinha sido feita de forma legal ou ilegal.
O estudo mostra que a demora do Judiciário na condução dos processos foi o motivo alegado por 48% das famílias que decidiram burlar a lei. O procedimento é mais comum nas camadas de menor poder aquisitivo -68% daqueles que declararam renda de até cinco salários mínimos adotaram o procedimento "à brasileira", enquanto 77% daqueles que disseram ganhar mais de 20 salários mínimos realizaram adoções pelo Juizado da Infância.
Para a professora da Universidade Federal do Paraná Lídia Weber, psicóloga que coordenou a pesquisa, não há meios de saber quantas crianças são adotadas ilegalmente no Brasil. "É uma questão delicada, pois envolve crime. Para conseguir concluir a pesquisa, tive que transmitir segurança e garantir sigilo aos entrevistados."
Também não é possível saber quantas crianças são adotadas legalmente no Brasil a cada ano. Hoje, os números estão dispersos por cerca de 2.000 varas especializadas ou por centenas de gabinetes de juízes de municípios sem varas específicas.
Uma parceria entre o Ministério da Justiça e o Judiciário tenta reverter esse quadro. Pela parceria foi criado o Infoadote, um programa de informática que pretende centralizar os dados sobre as adoções nos 27 Estados. A previsão é que o sistema esteja operando até o final de 2000.
"Isso ajudará a diminuir a prática da "adoção à brasileira", que, lamentavelmente, ainda é usada", afirma o juiz da Infância e da Juventude Luiz Figueiredo, que coordena o Infoadote.
Para o delegado responsável pela investigação de adoções ilegais no Paraná, Harry Hebert, "a facilidade é a mãe do crime". "É só ir ao cartório com duas testemunhas e inventar uma história, dizendo que a criança nasceu em casa", afirma o delegado.
O desembargador Moacir Guimarães, vice-presidente da Ceja (Comissão Especial Judiciária de Adoção) do Paraná, defende que, com esta prática, as pessoas estão prejudicando a própria criança.
"Ela pode perder a herança se os irmãos biológicos denunciarem a irregularidade no instante da partilha. Isso é comum."
Para ele, não existe demora nos processos de adoção. "As pessoas não entendem que não há crianças disponíveis nas características que elas desejam", afirma.
O juiz Antônio Augusto Guimarães, presidente da seccional São Paulo da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e Juventude, também combate a idéia de que o processo é lento.
"Em 23 anos de carreira, autorizei 2.000 adoções. O processo de adoção não é uma brincadeira. O juiz tem de ter a certeza de que a criança vai ser beneficiada."
Para isso, segundo Guimarães, o judiciário precisa fazer o acompanhamento psicológico dos interessados na adoção. O prazo necessário para isso varia segundo a situação da criança e da família que quer adotar.
"O Judiciário procura pais para crianças, e não crianças para casais que querem adotar", diz.
Para Lídia Weber, a conscientização da sociedade para a "adoção moderna" pode melhorar a situação. "O sentido moderno implica adoções tardias (de crianças mais velhas), morais (crianças deficientes ou com graves problemas de saúde) e inter-raciais."
De acordo com estimativas do governo, existem no Brasil cerca de 200 mil crianças abandonadas -195 mil em instituições. A maior parte delas está em processo de destituição do pátrio-poder dos pais biológicos, o que impede que sejam adotadas.


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