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JEITO BRASILEIRO
Pesquisa indica que o crime ocorre em 55% dos casos; cartórios deveriam exigir documentos
Pai registra adotado como filho legítimo
HISTÓRIAS REAIS
WAGNER OLIVEIRA
da Agência Folha, em Curitiba
Uma pesquisa realizada com
cerca de 500 famílias brasileiras
indica que a maioria das adoções
de crianças é feita ilegalmente.
As chamadas "adoções à brasileira" -registro em cartório como filho legítimo de uma criança
doada pela mãe biológica sem o
conhecimento da Justiça- foram
realizadas por 55% das famílias
que responderam à pesquisa da
Universidade Federal do Paraná.
Mas nem só as famílias agiram
ilegalmente. Os cartórios que fizeram esses registros deixaram de
pedir um documento emitido pelos hospitais atestando o nascimento, o que é exigido por lei.
O registro falso é crime previsto
no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Penal. Os infratores podem perder a guarda
da criança e estão sujeitos a penas
de seis meses a seis anos de prisão.
A pesquisa foi desenvolvida durante quatro anos. As famílias responderam a um questionário
com 75 perguntas. Uma das questões indagava se a adoção tinha sido feita de forma legal ou ilegal.
O estudo mostra que a demora
do Judiciário na condução dos
processos foi o motivo alegado
por 48% das famílias que decidiram burlar a lei. O procedimento
é mais comum nas camadas de
menor poder aquisitivo -68%
daqueles que declararam renda
de até cinco salários mínimos
adotaram o procedimento "à brasileira", enquanto 77% daqueles
que disseram ganhar mais de 20
salários mínimos realizaram adoções pelo Juizado da Infância.
Para a professora da Universidade Federal do Paraná Lídia Weber, psicóloga que coordenou a
pesquisa, não há meios de saber
quantas crianças são adotadas ilegalmente no Brasil. "É uma questão delicada, pois envolve crime.
Para conseguir concluir a pesquisa, tive que transmitir segurança e
garantir sigilo aos entrevistados."
Também não é possível saber
quantas crianças são adotadas legalmente no Brasil a cada ano.
Hoje, os números estão dispersos
por cerca de 2.000 varas especializadas ou por centenas de gabinetes de juízes de municípios sem
varas específicas.
Uma parceria entre o Ministério
da Justiça e o Judiciário tenta reverter esse quadro. Pela parceria
foi criado o Infoadote, um programa de informática que pretende centralizar os dados sobre as
adoções nos 27 Estados. A previsão é que o sistema esteja operando até o final de 2000.
"Isso ajudará a diminuir a prática da "adoção à brasileira", que, lamentavelmente, ainda é usada",
afirma o juiz da Infância e da Juventude Luiz Figueiredo, que
coordena o Infoadote.
Para o delegado responsável pela investigação de adoções ilegais
no Paraná, Harry Hebert, "a facilidade é a mãe do crime". "É só ir
ao cartório com duas testemunhas e inventar uma história, dizendo que a criança nasceu em
casa", afirma o delegado.
O desembargador Moacir Guimarães, vice-presidente da Ceja
(Comissão Especial Judiciária de
Adoção) do Paraná, defende que,
com esta prática, as pessoas estão
prejudicando a própria criança.
"Ela pode perder a herança se
os irmãos biológicos denunciarem a irregularidade no instante
da partilha. Isso é comum."
Para ele, não existe demora nos
processos de adoção. "As pessoas
não entendem que não há crianças disponíveis nas características
que elas desejam", afirma.
O juiz Antônio Augusto Guimarães, presidente da seccional
São Paulo da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e
Juventude, também combate a
idéia de que o processo é lento.
"Em 23 anos de carreira, autorizei 2.000 adoções. O processo de
adoção não é uma brincadeira. O
juiz tem de ter a certeza de que a
criança vai ser beneficiada."
Para isso, segundo Guimarães,
o judiciário precisa fazer o acompanhamento psicológico dos interessados na adoção. O prazo
necessário para isso varia segundo a situação da criança e da família que quer adotar.
"O Judiciário procura pais para
crianças, e não crianças para casais que querem adotar", diz.
Para Lídia Weber, a conscientização da sociedade para a "adoção moderna" pode melhorar a
situação. "O sentido moderno
implica adoções tardias (de crianças mais velhas), morais (crianças
deficientes ou com graves problemas de saúde) e inter-raciais."
De acordo com estimativas do
governo, existem no Brasil cerca
de 200 mil crianças abandonadas
-195 mil em instituições. A
maior parte delas está em processo de destituição do pátrio-poder
dos pais biológicos, o que impede
que sejam adotadas.
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