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Incor é diferencial na saúde pública
CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL
São cinco letras sagradas para
quem as conhece de muito perto:
Incor. O Instituto do Coração do
Hospital das Clínicas, onde se desenrola o drama do governador
Mário Covas, é um oásis no deserto da saúde pública no Brasil. Setenta e cinco por cento de seus pacientes não pagam um tostão por
qualquer tratamento, da colocação de um marca-passo a uma cirurgia torácica que custaria, no
mínimo, R$ 40 mil. São tratados
por meio do Serviço Único de
Saúde (SUS), o programa do governo federal.
É no Incor, o maior centro de
cardiologia pediátrica da América
Latina, que está se desenvolvendo
o primeiro eletrodo para tratamento de bloqueios elétricos do
coração de bebês que ainda estão
na barriga da mãe e que correm
risco de sofrer uma parada cardíaca fatal. Passa-se o eletrodo
(condutor metálico percorrido
por uma corrente elétrica) no coração, trabalhando lentamente
para estimular o seu batimento, e
salva-se uma vida.
Essa é a especialidade do Instituto do Coração: salvar vidas, ou,
no mínimo, esgotar todas as possibilidades para atingir essa meta.
"Não existe nenhum centro que
faça esse tratamento com fetos no
mundo", afirma o professor-doutor José Antonio Ramires, que é
presidente do conselho diretor do
hospital. "Todos estão aprendendo, inclusive o Incor, que, neste
momento, faz testes em fetos de
ovelhas."
Mas a técnica brasileiríssima
para salvar bebês com doenças
cardíacas congênitas já foi apresentada -e aplaudida- nos Estados Unidos, despertando a
atenção não só dos centros médicos como de um fabricante de eletrodos para marca-passo que pediu ao Incor autorização para desenvolver, em parceria com os
brasileiros, um dispositivo com
essa aplicação.
Para pacientes com desvio da
normalidade do ritmo das contrações cardíacas, a chamada arritmia, os médicos-cientistas do Incor estão inovando a técnica de
ablação. Primeiro, o que é isso:
uma arritmia é um "curto-circuito" na parte elétrica do coração.
Antigamente se controlava com
remédio e o paciente passava a vida inteira com medicamentos.
Com a ablação coloca-se um
eletrodo pela veia, como se fosse
um cateterismo. Esse eletrodo,
que é um fio elétrico, vai até o coração e, dentro dele, identifica cada ponto do eletrocardiograma
até encontrar o "curto-circuito".
Identificado o "foco", o eletrodo
conduz ondas de rádio que penetram a dois milímetros do músculo do coração naquele ponto, inutilizando o "curto-circuito".
Isso existe há 10 anos. Recentemente, porém, o grupo de arritmia do Incor desenvolveu uma
nova técnica que aumentou de
90% para 100% a chance de destruição do "curto-circuito", o que,
em medicina, é um avanço significativo. O que eles fizeram: em
vez de passar o eletrodo pela veia,
passam pela pele da boca do estômago, introduzem esse fio elétrico pela agulha e, em vez de procurar o "curto-circuito" por dentro
do coração, procuram por fora.
Acham mais depressa e obtêm
melhores resultados. O método,
descrito há um ano, tem trazido
ao Incor os maiores experts de arritmia do mundo para estudá-lo.
Como núcleo médico, não existe nada parecido com o Instituto
do Coração no Brasil. Nem na
América Latina. É um hospital
público, do governo do Estado, e
universitário, que, há 23 anos, por
uma parceria com a Fundação
Zerbini, acabou criando um novo
modelo de gestão.
O primeiro nome na hierarquia
é o do governador. A gestão é pública, mas é a fundação que gerencia e administra todos os recursos
gerados e os aplica de novo no
hospital. "O dinheiro sai e volta
em forma de projeto", diz o diretor Ramires. As contas sempre
batem. Nunca houve um escândalo financeiro no Incor.
O hospital só não atende 100%
dos pacientes de graça porque,
primeiro, o SUS não teria a verba
para pagar os 100%, e, segundo,
porque apenas a receita vinda do
SUS (40% do total) não permitiria
sustentar tanta complexidade. Os
25% de pacientes conveniados e
particulares asseguram 60% da
receita; os 75% do SUS, 40%. "Esses 60% nos ajudam a manter o
hospital em posição de competir
com qualquer hospital privado do
país e em igualdade de condições
com os mais modernos hospitais
universitários americanos", diz
José Antonio Ramires.
Um de seus diferenciais mais relevantes é o fato de ser a única instituição de cardiologia que consegue ter tudo ao mesmo tempo:
pesquisa, bioengenharia ímpar
(suporte para fazer as válvulas,
equipamentos de coração artificial, o próprio coração artificial
etc), cardiologia e cirurgia.
A grande quantidade de pesquisas faz com que o hospital, ao dar
tiro em doenças do coração, acabe chegando a descobertas que
beneficiam o tratamento de outras doenças. O Incor está patenteando uma droga específica para
alguns tipos de câncer. É um
agente químico, mas não é quimioterapia. Com uma molécula
utilizada para entender doenças
do coração, seus médicos observaram que, se dentro da molécula
jogassem quimioterápicos, o câncer poderia desaparecer.
O teste está sendo feito com 40
pacientes terminais interessados
em arriscar e 12 fora da fase terminal. Até que a patente seja selada,
o hospital não dá mais informações, para preservar o projeto.
Cada vez mais o Incor reforça a
sua política institucional de assistência global ao cardiopata. O governador Mário Covas é um
exemplo: ele teve problemas no
coração, hoje tem câncer e continua sendo tratado lá. Os outros
hospitais, diz o diretor, em geral
temem os riscos da anestesia em
cardiopatas. Por isso, o Incor mudou. O paciente sempre entra
com um problema cardíaco, mas
o que surge daí em diante o hospital trata. Só no ano passado foram
realizadas 800 cirurgias de tórax,
traquéia e pulmão.
O mais importante é que, para o
hospital, não interessa de onde o
paciente vem. Mais de 150 pessoas
são atendidas todos os dias em
seu ambulatório. O tratamento é
igual para todos. "Temos a honra
de ser um hospital público", diz o
diretor Ramires.
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