São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

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Incor é diferencial na saúde pública

CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL

São cinco letras sagradas para quem as conhece de muito perto: Incor. O Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, onde se desenrola o drama do governador Mário Covas, é um oásis no deserto da saúde pública no Brasil. Setenta e cinco por cento de seus pacientes não pagam um tostão por qualquer tratamento, da colocação de um marca-passo a uma cirurgia torácica que custaria, no mínimo, R$ 40 mil. São tratados por meio do Serviço Único de Saúde (SUS), o programa do governo federal.
É no Incor, o maior centro de cardiologia pediátrica da América Latina, que está se desenvolvendo o primeiro eletrodo para tratamento de bloqueios elétricos do coração de bebês que ainda estão na barriga da mãe e que correm risco de sofrer uma parada cardíaca fatal. Passa-se o eletrodo (condutor metálico percorrido por uma corrente elétrica) no coração, trabalhando lentamente para estimular o seu batimento, e salva-se uma vida.
Essa é a especialidade do Instituto do Coração: salvar vidas, ou, no mínimo, esgotar todas as possibilidades para atingir essa meta. "Não existe nenhum centro que faça esse tratamento com fetos no mundo", afirma o professor-doutor José Antonio Ramires, que é presidente do conselho diretor do hospital. "Todos estão aprendendo, inclusive o Incor, que, neste momento, faz testes em fetos de ovelhas."
Mas a técnica brasileiríssima para salvar bebês com doenças cardíacas congênitas já foi apresentada -e aplaudida- nos Estados Unidos, despertando a atenção não só dos centros médicos como de um fabricante de eletrodos para marca-passo que pediu ao Incor autorização para desenvolver, em parceria com os brasileiros, um dispositivo com essa aplicação.
Para pacientes com desvio da normalidade do ritmo das contrações cardíacas, a chamada arritmia, os médicos-cientistas do Incor estão inovando a técnica de ablação. Primeiro, o que é isso: uma arritmia é um "curto-circuito" na parte elétrica do coração. Antigamente se controlava com remédio e o paciente passava a vida inteira com medicamentos.
Com a ablação coloca-se um eletrodo pela veia, como se fosse um cateterismo. Esse eletrodo, que é um fio elétrico, vai até o coração e, dentro dele, identifica cada ponto do eletrocardiograma até encontrar o "curto-circuito". Identificado o "foco", o eletrodo conduz ondas de rádio que penetram a dois milímetros do músculo do coração naquele ponto, inutilizando o "curto-circuito".
Isso existe há 10 anos. Recentemente, porém, o grupo de arritmia do Incor desenvolveu uma nova técnica que aumentou de 90% para 100% a chance de destruição do "curto-circuito", o que, em medicina, é um avanço significativo. O que eles fizeram: em vez de passar o eletrodo pela veia, passam pela pele da boca do estômago, introduzem esse fio elétrico pela agulha e, em vez de procurar o "curto-circuito" por dentro do coração, procuram por fora. Acham mais depressa e obtêm melhores resultados. O método, descrito há um ano, tem trazido ao Incor os maiores experts de arritmia do mundo para estudá-lo.
Como núcleo médico, não existe nada parecido com o Instituto do Coração no Brasil. Nem na América Latina. É um hospital público, do governo do Estado, e universitário, que, há 23 anos, por uma parceria com a Fundação Zerbini, acabou criando um novo modelo de gestão.
O primeiro nome na hierarquia é o do governador. A gestão é pública, mas é a fundação que gerencia e administra todos os recursos gerados e os aplica de novo no hospital. "O dinheiro sai e volta em forma de projeto", diz o diretor Ramires. As contas sempre batem. Nunca houve um escândalo financeiro no Incor.
O hospital só não atende 100% dos pacientes de graça porque, primeiro, o SUS não teria a verba para pagar os 100%, e, segundo, porque apenas a receita vinda do SUS (40% do total) não permitiria sustentar tanta complexidade. Os 25% de pacientes conveniados e particulares asseguram 60% da receita; os 75% do SUS, 40%. "Esses 60% nos ajudam a manter o hospital em posição de competir com qualquer hospital privado do país e em igualdade de condições com os mais modernos hospitais universitários americanos", diz José Antonio Ramires.
Um de seus diferenciais mais relevantes é o fato de ser a única instituição de cardiologia que consegue ter tudo ao mesmo tempo: pesquisa, bioengenharia ímpar (suporte para fazer as válvulas, equipamentos de coração artificial, o próprio coração artificial etc), cardiologia e cirurgia.
A grande quantidade de pesquisas faz com que o hospital, ao dar tiro em doenças do coração, acabe chegando a descobertas que beneficiam o tratamento de outras doenças. O Incor está patenteando uma droga específica para alguns tipos de câncer. É um agente químico, mas não é quimioterapia. Com uma molécula utilizada para entender doenças do coração, seus médicos observaram que, se dentro da molécula jogassem quimioterápicos, o câncer poderia desaparecer.
O teste está sendo feito com 40 pacientes terminais interessados em arriscar e 12 fora da fase terminal. Até que a patente seja selada, o hospital não dá mais informações, para preservar o projeto.
Cada vez mais o Incor reforça a sua política institucional de assistência global ao cardiopata. O governador Mário Covas é um exemplo: ele teve problemas no coração, hoje tem câncer e continua sendo tratado lá. Os outros hospitais, diz o diretor, em geral temem os riscos da anestesia em cardiopatas. Por isso, o Incor mudou. O paciente sempre entra com um problema cardíaco, mas o que surge daí em diante o hospital trata. Só no ano passado foram realizadas 800 cirurgias de tórax, traquéia e pulmão.
O mais importante é que, para o hospital, não interessa de onde o paciente vem. Mais de 150 pessoas são atendidas todos os dias em seu ambulatório. O tratamento é igual para todos. "Temos a honra de ser um hospital público", diz o diretor Ramires.


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